Texto extraído de: FONTES, Adilson Braga.
Notícias
de Afonso Cláudio: a história de
Afonso Cláudio contada pelos jornais:
1881-1949. Campinas: Abrafo, 2014.
p. 31-36.
Em 31 de outubro de 1886[1],
publicou-se um artigo no jornal O Cachoeirano cuja identidade
não foi revelada, com a autoria fortemente pendendo para Ramiro de Barros.
O incógnito autor, mal chegado ao Guandu (antigo nome de Afonso Cláudio),
já se põe a defender a valorosa terra e exaltar suas incontáveis qualidades.
Relata também em breves palavras a visita do Bispo D. Pedro de Lacerda,
primeira visita de uma autoridade aos rincões do Guandu.
Ele começa sua fala da seguinte maneira:
“Muitas pessoas, longe destas paragens,
supõem geralmente que o Guandu é um antro de feras ou a moradia de criminosos e
assassinos, e para que possa ir desaparecendo esse mau juízo que se forma deste
esperançoso torrão, vou dar-lhe nesta uma pequena relação do pessoal, produção
etc., compreendido unicamente o que diz – Alto Guandu ou São Sebastião do Guandu.
Conta já esse lugar 1.500 almas
aproximadamente; produz muito fumo e café, principais gêneros de exportação.
A produção de café já atinge a noventa e nove mil
quilos no mínimo e a do fumo trinta mil quilos, sendo toda a
exportação para a Vitória donde dista de 28 a 30 léguas.
Cultivam-se também milho, feijão, arroz e
outros cereais, que tudo a terra produz com muita abundância, mas que não são
exportados por não valer a pena em vista da distância; mesmo assim mandam para
lá muito toucinho e queijos.
É um lugar novo, mas de grande futuro pela
fertilidade de seu solo.
A povoação é ainda pequena, tem apenas vinte
e tantas casas entre grandes e pequenas, mas já foi visitada no dia 8 de
setembro pelo bispo de nossa diocese o qual foi recebido, por algumas 150
pessoas, entre fogos, músicas e vivas etc.
S. Ex. revdm.
demorou-se na referida povoação (Arraial de São Sebastião)
quatorze dias, durante os quais administrou em grande escala os sacramentos de
batismo, confirmação, comunhão penitência
e matrimônio, não podendo se precisar o número por não ter o Sr. bispo deixado
nota, porém só o crisma foi administrado a mais de trezentas pessoas.
S. Ex. revdm. deu também licença para se
levantar e edificar a matriz, cujo lugar benzeu e marcou, e retirou-se tão
satisfeito com o povo que prometeu a criação de freguesia em breve tempo.”
O autor do texto expõe sua impressão sobre
o que vivenciara enquanto morador do Guandu.
Ao contrário do que pensava Ramiro de Barros,
o citado bispo não só anotou os sacramentos ministrados como anotou cada passo
dado na cidade com muitos detalhes.
De 24 de julho de 1886 a 28 de março de
1887, D. Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, fez uma peregrinação pela então
província do Espírito Santo, visitando o quase inacessível sertão capixaba.
Em seu diário[2] de
viagem, D. Lacerda relata as dificuldades enfrentadas pelo caminho até chegar
ao então longínquo Alto Guandu.
Transcrevemos a seguir fragmentos de seu
relato sobre a viagem até o Guandu e sua estada de quatorze dias na vila.
No domingo, dia 5 de setembro de 1886, o
bispo recebeu resposta do Guandu, pedindo-lhe para ir até lá, e dizendo que as
coisas não eram tão feias, “que havia muita gente à minha espera”. Além deste,
que parece ser o Sr. Ramiro de Barros Conceição, também uma comissão dos
principais do Guandu fez o mesmo pedido. Depois de insistentes pedidos, o bispo
decidiu ir ao Guandu.
Na quarta-feira, dia 8 de setembro, depois
da missa, às 11 horas da manhã, D. Pedro Lacerda começou sua viagem rumo ao
Guandu.
Suas primeiras palavras ao chegar em
terras guanduenses foram: “Ao subir uma montanha e ao descer, fomos ouvindo o
Guandu que vinha encachoeirado a sussurrar pelo mato e despencando-se por um
extenso desfiladeiro abaixo. Do alto do monte, a vista espraia-se alegremente
por um vasto verdolengo campo por onde pastava algum gado vacum e rodeados de montes aqui de
cafeeiros e laranjeiras ali e acolá cobertos de cinza preta de árvores ou
arbustos queimados para o plantio do café. Bem dado foi a este sítio o nome
de Boa Vista”.
Era meio-dia quando passaram o rio Guandu defronte da casa da fazenda, e entraram por entre pés de cafés
e laranjeiras. O Sr. Tadeu estava a apanhar algumas laranjas, quando a comitiva
parou em sua casa para tomar café. Esta fazenda pertencia ao célebre
Sr. Manoel Fernandes Moura (rico proprietário de terras do
Centro – Castelo –, do Caxixe etc.).
“O Sr. Braga Português (João Francisco
Machado Braga, trisavô do autor deste trabalho)
homem casado e com filhos já mocetões é quem toma conta disto aqui”. Na casa
deste antepassado, o bispo e sua comitiva comeram laranjas e beberam café.
Pelas duas horas chegaram à choupana do
Sr. José Martins Tomás de Paiva, no sítio Barra do Chico Nunes, nome antigo; e
foi todo aberto pelo Sr. José Martins. Na entrada como na saída de seu terreiro
havia arcos de folhas e flores.
Seguem suas palavras a respeito do Sr.
Martins: “Este senhor Martins é Mineiro da Piranga (por aqui há grande número
de Mineiros) homem trabalhador, simples, franco, alegre e jovial, amável,
serviçal e cheio de fé, verdadeiro tipo de bom Mineiro. Eu fiquei gostando
muito dele desde que o vi no Afonsinho, e sou-lhe imensamente obrigado, porque
foi ele quem me emprestou seus animais para minhas cargas e cavalgadura para o
criado José Paim. Já tem muitos netos. Uma sua filha casada é amalucada, e um
filho solteiro é desde pequeno aleijado e com uma perna encolhida, e por isso
usa de uma muleta, tudo devido a uma constipação; mas tem os braços livres e
monta a cavalo e é trabalhador. Vi ambos em casa. A casinha do Sr. Martins é
coisa de nada e tosca, mas ele tenciona construir uma melhor. O sítio do Sr.
Martins fica entre o Guandu e o ribeirão Chico Nunes. Quando cheguei, ele
não estava, porque vinha com as cargas, mas chegou não muito depois. Aqui nos
deram doces, queijo (feito em casa), biscoitos e café.”
Pelas três horas e sete minutos passaram
defronte da fazenda da Vargem Grande (do Fagundes), que também
pertencia ao Sr. Moura. “Note-se que o Sr. Moura compra por aqui terrenos, ou
toma-os em pagamento de dívidas.”
“Pelas três horas e cinquenta minutos
passamos por uma bela cascata chamada com razão ‘Cachoeira Bonita’, e logo por uma casa do mesmo nome
que também dizem ser hoje do Sr. Moura. A estrada daí segue sempre à direita do
Guandu por um caminho plano e largo e ótimo nesta quadra, sem nenhuma lama...”
“Às cinco horas e vinte e cinco minutos
começamos a entrar na povoação de São Sebastião do Guandu.”
Na quarta-feira, dia 8 de setembro, na
entrada da povoação estava postada a pequena banda de
música mandada vir de Santa Joana (atual município
de Itarana). Era composta de sete ou oito instrumentos de sopro, “fraquinha,
mas entoada”.
Havia na vila um barracão que servia de
capela.
“Subiam ao ar alguns foguetes, e repicava
o sino da capela, e havia algum movimento de povo e todos pareciam alegres e
contentes com minha chegada.”
“A casa que nos destinaram é pequena e sem
cômodos, mas passa-se sofrivelmente e há muita boa vontade.”
A pequena banda de música andou tocando pela rua única ou praça do arraial, ao clarão da lua.
Na quinta-feira, 9 de setembro, muita
gente (quase todos de Minas) vinha à casa beijar o anel do bispo e tomar-lhe a
bênção.
Assim o bispo descreveu a rapidez com que
se desenvolvia o arraial: “Isto por aqui... há poucos anos atrás era uma mata
virgem e até servia de refúgio a desertores ou criminosos, ou escravos fugidos
ou criminosos vindos de Minas e Rio; hoje já não é assim e tudo anuncia
progresso e melhoramento ainda pequeno, mas com bem fundadas esperanças de
crescimento.”
O bispo ainda lamentou não haver a
presença de um padre no Guandu, apesar de o padre José
Marcellino do Valle, vigário de Santo Antônio de Pádua,
província do Rio, possuir um terreno no lugar e habitar entre o povo.
Disse também que julgava que o Guandu era
menos povoado e menos importante de que estava
vendo com os próprios olhos. “Aqui no Guandu parece-me que se levantará
cruzeiro, e se benzerá cemitério e primeira pedra de uma capela de São
Sebastião e se sagrará o sino.”
Em seu diário, o religioso ressaltou que
vários colonos estavam entrando no Guandu, tiroleses, lombardos, alemães, e os mineiros, que chegavam ao
Guandu em grande número.
Durante sua estada, o arraial começou a se
encher de gente vindo de todos os cantos, D. Pedro de Lacerda disse que parecia
estar em Minas.
Sexta-feira, 10 de setembro: “Que
belíssimo, amanheceu o dia! E que deliciosa temperatura do ar! Sente-se prazer
em respirar.”
O bispo notou que a maneira do povo se
comportar, falar e agir o fazia achar que estava em Minas.
No sábado, dia 11 de setembro, apareceram
casamentos, um deles de uma filha do Sr. Martins com um moço de Cuietê, Minas,
que morava na barra do Guandu, “onde eu o crismei em 1880.”
Durante os dias em que o bispo esteve no
povoado, os homens trabalharam na
construção do cruzeiro que deveria ser consagrado pelo religioso.
No domingo, dia 12 de setembro, o bispo
casou três pares de noivos, um deles a filha do Sr. Martins. “Pelas três da
tarde voltei à capela e preguei forte e largo tempo contra amancebados e
prostitutas... Fiz assim por ter ouvido dizer que outrora aqui dentro desta
povoação a maior parte era de mulheres
perdidas e frequentadas; hoje já não é assim, mas há escândalos... Os de fora
da roça são melhores.”
Na segunda-feira, dia 13 de setembro, D.
Lacerda passou grande parte do dia preparando provisão para casamentos que
realizaria, dentre eles “um tal Lacerda (de Minas que não é parente meu) que
tem vivido há 26 anos na mancebia e já com netos!” Também dois outros pares de
noivos, escravos do Sr. Manoel Basílio de Souza, compadre do bispo, que batizara
uma de suas filhas.
O bispo também observou que no Guandu
havia muitas pessoas do Rio de Janeiro, sobretudo dos lados de Valença,
além do grande número de mineiros.
Na terça-feira, dia 14 de setembro, o
religioso trabalhou “por mais de duas horas para fazer que certa mulher mãe de
quatro filhos e ainda moça quisesse voltar para seu marido, que o queria”. Por
fim obteve êxito.
No mesmo dia falou com o Sr. Eleutério,
“nome que dão a Joaquim José da Silva e isto diz ele porque assim
chamavam a seu primeiro sogro. A segunda mulher ainda vive. Diz ele que é de
Maricá, no Rio de Janeiro, que tinha 43 anos quando veio o
Rei D. João VI, que foi soldado. Ora, o rei veio em março de 1808, logo, o
homem tem 121 anos e não 150 como alguns queriam. É homem pardo, musculoso,
alegre, esperto, forte, anda desembaraçado e trabalhador, que tem sempre tido
boa saúde, tem filhos de cabelos brancos, e como ele diz é o fundador deste
Guandu, e o primeiro que bebeu água do Guandu, e todos que para aqui vieram
passaram pela picada que ele abriu e defronte de sua casinha; e com graça
ajunta rindo-se que lhe deviam dar alguma coisa em recompensa.”
Pelas cinco horas foi o bispo benzer o
cruzeiro. “É um cruzeiro grande e pesado”. Depois de benzido o povo pôs-se a
cantar “como em Minas” versos à Santa Cruz. “Grande número de homens tomaram a
cruz à mão e a levaram um pouco longe. As mulheres divididas em grupos,
cantavam em diferentes pontos versos à Santa Cruz. Como entrava a noite e o
cruzeiro é pesado, e podia suceder algum desastre, deixaram para amanhã pôr o
cruzeiro a prumo no profundo buraco que estava feito.”
Na quarta-feira, 15 de setembro, o bispo
anotou em seu diário sua impressão sobre o povoado e a situação das pessoas que
estavam acampadas, vindas de longe, para acompanhar a episcopal visita: “Aqui
pouquíssimas casinhas há! A maior e melhor é um negócio do tal Sr. Moura. Os
de fora arranjam-se como podem: algumas barracas de pano aqui levantaram-se;
muitos passam ao relento ao calor do fogo que ateiam pela grande multidão de
madeiras e de tocos e de árvores que estão espalhados pelo chão e montes deste
novo lugarejo...”
Ainda no mesmo dia o cruzeiro foi posto no
seu lugar, o que levou tempo e custou trabalho, principalmente do Sr. Sabino
Coimbra de Oliveira. “Lá ficou no extremo do largo, ou
antes de toda a pequena povoação, junto aos pequenos montes e perto
do princípio do caminho que leva ao atual cemitério. Depois de jantar subi esse
comprido caminho e um pouco íngreme ladeira desse cemitério, a fim de colocar
as cinco cruzes para a bênção amanhã. Achei pequeno tal cemitério todo cercado
de rachas de madeira forte, e já com seus defuntos ali
enterrados: começaram planos para alargar daqui, dacolá, alargar assim e
assado...”
Depois da benção do cruzeiro S. Rev.ma foi
para o barracão que servia de capela. “Fiquei sabendo que poucos dias antes de
minha chegada nada havia de tal barracão e que tudo foi feito para minha
chegada – estacas, coberta de tabuinhas, altar, púlpito etc. etc. Fiz marcar o
circuito da futura Capela de São Sebastião que abrangerá dentro o atual
barracão ou rancho, e que terá de frente 40 palmos e 80 de corpo da igreja e 40
de capela-mor. Limpou-se o chão, arredaram-se paus e árvores cortadas etc.
etc., e na forma do pontifical fincou-se uma cruz no lugar do futuro altar e o
padre Figueiredo a benzeu.”
Ainda neste dia o bispo passou provisão
para casar uma das filhas do Sr. Joaquim Antônio Dias.
“Há aqui um preto que se quer casar com
uma preta, e o pai desta (grande beberrão) o deseja muito porque diz ele que a
filha está pejada (envergonhada). Mas o preto, dizem que é coartado, que um dos
senhores deu-lhe liberdade na parte que lhe toca, mas que os outros não, mas
que por serem pobres não o havendo matriculado, o preto está livre. Este fugiu
para arranjar meios de libertar-se, e já pretendeu casar-se aqui, mas foi preso
por cativo, mas logo solto. Que fazer? Para que comprometer-me e o Padre que os casa? Tenho insistido com
ele e o pai para provarem que o rapaz é livre ou por alforria ou por falta de
matrícula, embora tenha que esperar um pouco.”
Na quinta-feira, 16 setembro, pelas oito
horas foi benzer a primeira pedra no lugar onde seria construída a Igreja de
São Sebastião. A primeira pedra foi carregada
por quatro dos principais da terra em uma padiola coberta de pano e enfeitada
com algumas flores.
De noite foram visitar o distinto
visitante as famílias dos Srs. Lamas e capitão Lúcio José da Fonseca.
Na sexta-feira, 17 de setembro, das três
às seis esteve atarefado com casamentos de dois casais.
No sábado, 18 de setembro, “vi-me
atropelado com papeis de casamento. Às vezes três horas não bastam para
preparar um; porque não sabem bem onde nasceram e que idade têm e há quanto
tempo vieram de Minas e estão neste Bispado, o que é preciso para saber se são
meus diocesanos etc. etc.”
Domingo, 19 de setembro: “Os que se têm
casado, amancebados ou não, muito devem ao Sr. João Teixeira Alves, mineiro, natural das Dores do
Turvo, que muito trabalhou por todos, e muitas informações me deu... homem
muito estimado de todos aqui e por onde tem andado e com toda razão digno de
toda estima pela sua sinceridade, afabilidade e dedicação e caridade...”
Nesse dia, o bispo ainda relatou que havia
despedido uma menor de 15 anos, que pretendia casar-se com um negro livre.
Lamentara-se dizendo que era filha natural e não tinha licença do juiz de direito para casar-se. “Tive e
tenho muita pena dela e dos outros, mas que fazer? A lei é duríssima
tratando-se de pobres... Que será dos pobres se o diabo conseguir introduzir no
Brasil o casamento civil, com todas suas exigências e sua inflexibilidade
draconiana?”
No domingo de tarde, D. Pedro fez a
sagração do sino, o único do lugar; “é grandezinho e tem no bojo a inscrição
que diz ser ele oferecido ao mártir São Sebastião do Alto Guandu, e ter sido premiado na Exposição
Nacional do Rio de Janeiro. O Sr. Lamas e senhora (Ignácio
Gonçalves Lamas e esposa, Augusta Amélia da
Fonseca) foram convidados para o que se chamam Padrinhos. Esta senhora que é
briosa e de gosto, enfeitou o sino com duas bonitas cintas vistosamente
enfeitadas além das flores no gancho, e pelos cavaletes que aguentavam o sino,
e pelo chão. É o sino que vi mais bem enfeitado...” A cerimônia foi assistida
por muita gente. Ao fim os padrinhos mandaram soltar foguetes.
Assim expressou-se o Rev.mo Sr. bispo a
respeito do povo guanduense: “Gostei bastante desta gente do Guandu, e levarei
saudades dela... Achei-os respeitadores, afetuosos, muito prontos a tudo e sem
impertinência... Impertinente fui eu antes (mea culpa).”
Segunda-feira, 20 de setembro:
“Informei-me de certo Sr. Galvão (Joaquim Ferreira Galvão) como é que ele
mandou pedir licença para a capela daqui como se estivesse ereta e pronta para
Missa... Disse-me que não sabia, e como não sabe escrever senão seu nome,
talvez tivessem feito que ele assinasse sem saber bem o quê... Quanto ao
patrimônio, ele deu a escritura de doação, que ele tinha por falecimento do doador.”
“Ao bom Teixeira (que tem muitas filhas
meninas) disse que se Deus lhe desse um filho, pusesse-lhe o nome de meu São
Turíbio Arcebispo de Lima (que crismou Santa Rosa) e que tomei desde 1874 para
protetor de minhas visitas, e dei a beijar uma sua relíquia que trago ao mesmo
Teixeira e mulher (senhora adoentada). Eles gostaram e aprovaram minha
lembrança e devotamente oscularam a relíquia. Deus os abençoe.”
Ainda na segunda-feira, várias famílias e
muitas pessoas visitaram o bispo em despedida.
Na terça-feira, 21 de setembro, o
religioso alerta às pessoas para que não se deixem enganar por padres que não
sejam de sua paróquia, pois alguns andavam pelo Guandu, fazendo de tudo,
inclusive casamentos. Termina sua fala do dia dizendo o seguinte: “Mas
coitados! Que será deles metidos nestes sertões...”
Ainda na terça-feira, o bispo concedeu
requerimento para vários cemitérios, o primeiro concedido a Sabino Coimbra de Oliveira (que muito trabalhou no cruzeiro,
capela etc. etc.); o da Fazenda de Francisco Carlos de Almeida Rosa e irmão (Guandu abaixo águas do
Taquaral); outro na Fazenda Boa Vista da Lagoa, de Manoel Basílio de Souza.
D. Pedro Maria disse que tinha uma petição
e nesta se me dizia que “longe deste Guandu mais de quatro léguas há uma capela
já caiada com 37 palmos de comprimento e 21 de largura e com cemitério
cercado, e também patrimônio doado pelo Barão do Bananal com área de sete alqueires. Nessa
petição rogavam que eu desse licença para algum padre benzer a dita capela e cemitério.
Em despacho de hoje exigi sentença de patrimônio constituído; e porque me foi
apresentada carta do dito barão reservando a si certas porções de tal
patrimônio para casa sua e escola e hospital mandei que antes da sentença
fossem excluídos do patrimônio tais porções que, pela condição imposta de
reserva, ficavam fora da propriedade da capela. Esta capela e povoação devem ter o título de São Luís de
Miranda.”
“Queriam um cemitério no Rio de São
Domingos, maior que o Guandu, no qual
deságua, e ainda pouco povoado e para assim dizer descoberto há
pouco, mas porque quem requeria, o queria em terra que ainda não está demarcada
e pertence ao Governo, nada concedi exigindo que recorressem ao Governo a
licença que sendo dada eximirá o terreno de qualquer que depois possa obter o
terreno. E juntamente recomendei que obtivessem licença para uma capela bem
útil sobretudo mais tarde nessas paragens tão remotas. De passagem direi que não
há muito era desconhecido o São Domingos, assim denominado de pouco, mas já era
conhecida a barra do Guandu no Rio Doce e cá nas cabeceiras primeiro se
conheceu o ramo menor, que ficou com o nome que o rio tem na barra.”
O bispo entregou 30$000 (trinta mil réis)
a Sabino Coimbra para ajuntar com as outras esmolas
para a capela.
Na terça-feira, o ilustre visitante partiu
do Guandu, deixando seus comentários sobre a estada e as pessoas que o
acolheram: “Na pequenina casa em que eu estava fui bem tratado, bem que
modestamente; havia a família do Sr. Almeida e genros aqui demorados para me
servirem e assistirem... Ainda hoje querendo eu ver o Guandu aqui, fui levado
pelo fundo da casinha a vê-lo correndo ali pertinho: então vi uma tolda
estendida, e debaixo dela camas estendidas, parte da família reunida, e as
panelas onde cozinhavam... etc. Tive pena de ver os incômodos que terão
sofrido por mim... Deus os recompense. Era tempo de voltarem a seus lares; e de
mais é tempo das queimadas e deviam cuidar de suas roças... Também já era tempo
de voltarem para suas casas os senhores José Vargas e Francisco Lopes.”
Era pouco mais de duas horas da tarde
quando o ilustre visitante deixou a vila guanduense. Às seis horas da tarde
chegou ao grande descampado da Boa Vista; e atravessando por entre
cafeeiros e laranjeiras saltaram o Guandu e apearam na Fazenda da Boa Vista às
seis horas e dez minutos da tarde. Nesta casa a comitiva parou na ida, de
propriedade do senhor Moura; cujo administrador das terras era o senhor João
Francisco Machado Braga, “homem casado”.
Sobre o Guandu e a precariedade de sua
estada, o bispo disse o seguinte: “Há cinco anos atrás era isto aqui mato... É
um pequeno vale plano e largo cercado todo de pequenos montes de sorte que não
há vista para lado nenhum, e assim é limitado e deverá ser quente no verão, sobretudo
depois que houver mais casas. Ainda hoje se vêem pelo chão muitos paus e vários
tocos e muitas árvores derribadas já queimadas em parte e que se vão queimando,
como agora a bem dos que não tinham onde abrigar-se. É uma derrubada onde estão
edificando casinhas. Haverá cerca de vinte quatro casas ou choupanas cobertas
algumas de telha, e outras das quais algumas estão abertas sem parede alguma.
Quase todas são pequeninas. A em que estivemos que é das melhores e
maiorezinhas não está caiada nem tem forro. Na mesa por vezes se puseram
castiçais curiosos, a saber uma garrafa com a vela e uma xícara emborcada com a
boca para baixo, e sobre o fundo a vela de cera segura sob uma porção da cera
derretida: foi a 1ª vez que vi tal e achei-lhe graça e boa a lembrança porque a
asa da xícara servia de asa desta nova espécie de castiçal. Forro no quarto não
havia, mas havia janela que em lugar de vidraça, tinha um pano branco que me
resguardava das vistas de fora. E como era o lavatório? Um pipote vazio coberto
com uma toalha e por cima bacia com jarro. A casa é assoalhada. A comida era
bem feita e abundante; e tudo era feito com muito amor e agrado pela gente do
Sr. Almeida, de sorte que todos nós estávamos contentes, apesar de todos os
descômodos, que seriam insuportáveis a gente delicada. No arraial, a maior e
melhor casa é a do negócio do Moura... e nestes dias vendeu bem e bastante e
duas ou três vezes teve sortimento vindo do Centro (Castelo). Há outra casa de
negócio: há aqui um farmacêutico com botica. Tudo aqui é novo e
começa. Agora tem cruzeiro ereto, cemitério bento e chão bento para a capela,
que tem sino. Há muita gente neste distrito, em grande ou maior parte de Minas,
e sempre está vindo gente. Há muitos brancos, e raro é o escravo neste Guandu. O terreno dá café e muitos cereais, milho etc. etc.
Os Mineiros tratam logo de ter monjolo e moinho; e vão abrindo picada e
picadões por todas as direções, e seu porto mais perto e cômodo é o de Vitória,
que para o futuro deve muito prosperar, e para o qual já vão algumas tropas. Aqui no Guandu há agência de
correio e o agente é o Sabino Coimbra.”
Na fazenda Boa Vista, que ficava no que é hoje o
distrito de Fazenda Guandu, o bispo fez um balanço de suas atividades durante a
visita, que estava em suas horas finais, ao longínquo arraial de São Sebastião
do Guandu, nas seguintes palavras:
“Concedi dois cemitérios; concedi uma pia
batismal para este lugar; nove missas minhas proferidas; quatrocentas e dezoito
comunhões (57 por mim); uma comunhão em casa; dez sermões; duas práticas; duas
vezes avisos; seiscentas e cinquenta e sete pessoas crismadas (muitas crianças); uma bênção de cruzeiro por mim; uma bênção da primeira pedra da
Igreja por mim; uma bênção do cemitério pelo pe. Alves; uma sagração do sino
por mim; setenta e cinco batizados; dezessete casamentos de gente quase toda Mineira:
cinco amancebados, doze não amancebados; com dispensa uma, sem dispensa
dezesseis, livres quinze; escravos de Manoel Basílio, dois (um amancebado e
ambos sem impedimento).”
Ainda na fazenda da Boa Vista, a comitiva encontrou o senhor
João Manoel Fernandes, português, que era o dono da
Fazenda Pindobas, e o capataz dos portugueses do
Portugal Novo (por gracejo). A este também pertencia a casa ou Fazenda chamada
das Três Barras, onde ajuntam-se Guandu e Rio do Peixe.
O bispo informa também que João Manoel
Fernandes tinha estado em Dacar na África e
havia viajado grande parte de Minas.
Na quarta-feira, 22 de setembro, o
religioso e sua comitiva almoçaram em casa do “bom” Joaquim Antonio Dias, onde foi servido “um bom almoço”.
Após então, seguiram seu destino deixando o território guanduense, em companhia
do senhor Tadeu Esquetin/Schettini, morador do Guandu.
[2] LACERDA, Pedro
Maria de. Apontamentos da Visita Episcopal de 1886 na Província do Espírito
Santo: 24 de julho de 1886 a 28 de março de 1887. v. 3. p. 56-105.
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