José Netto da Silva



Por Adilson Braga Fontes
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José Netto da Silva (Zé Netto) - meu avô materno - era filho de José Marcellino Teixeira e Anna Maria de Jesus - mineiros. Zé Netto, como era conhecido, nasceu em Mata Fria, Alto Capim, Aimorés, MG, no dia 8 de fevereiro de 1919 e faleceu em 22 de julho de 1996, em Córrego do Sabão, distrito de São Francisco, Afonso Cláudio, ES. Foi sepultado em 23 de julho de 1996, em Ponta da Fruta, Vila Velha, ES, junto
de sua esposa, Maria Gonçalves do Espírito Santo (Mariquinha), nascida em 4 de abril de 1925, no interior do distrito de Alto Capim, Aimorés, MG e falecida em 3 de fevereiro de 1993, em Vila Velha, ES. Teve vários filhos com sua esposa, os que viveram até a fase adulta são: Maria Gonçalves da Silva (foi casada com seu primo Sebastião Lucas); Alcedina Gonçalves (viúva de José Matias de Freitas); Carmen Maria de Jesus (minha mãe, viúva de meu pai, Sebastião Braga Fontes, casada atualmente com Paulo Schereder); José Gonçalves da Silva (falecido em 1982); Idevaldo Sebastião da Silva (casado com Carmelita); Sebastião da Silva (casado com Nilda Schenerock); Deneval Romério da Silva (casado com Rosenilda) e Ana Maria de Jesus (casada com Adriano Giestas).

Zé Netto não sabia ler e nem escrever, gostava de andar a pé e era de poucas palavras. Era de pele clara, magro e de estatura mediana. Mas apesar de ter pele branca e traços de modo geral, europeus, tinha irmãos morenos. Seu rosto lembrava muito o do líder palestino Yasser Arafat, com nariz protuberante e de formato singular. 

Segundo familiares, ao se casar com minha avó, Zé Netto não possuía bens, passou a tê-los após se casar. Parece que sua esposa recebeu terras herdadas do pai, José Inácio de Castilho (Juquinha). Vovô Juquinha possuía uma propriedade na divisa dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, nos distritos de Alto Capim e Ibicaba. Suas terras ficavam próximas à fazenda do falecido Sebastião Lucas (Tião Luquinha), que era sobrinho do Vovô Juquinha, filho de sua irmã. Minha avó recebeu por herança terras que ficavam na divisa dos estados, a divisa ficava dentro do sítio e a casa sede ficava em Minas, minha mãe nasceu nesta casa, portanto, em Minas Gerais. Ainda com os filhos pequenos meu avô comprou um terreno no São Miguel, lugarejo perdido num canto do distrito Afonsoclaudense de Ibicaba, na divisa com a região mineira do Córrego dos Machados e muito próxima a sobreiro, hoje, município de Laranja da Terra. Neste lugar, entre os anos de 1955 a 1960, ele comprou dez alqueires de terras, vendendo a propriedade onde minha mãe nascera. Cantam os parentes que Zé Netto também possuía um terreno em Castelo, outro município capixaba, mas que este havia sido deixado aos cuidados de um compadre que o roubou, pois não sabendo ler, assinou documentos de venda confiando no “amigo”. 

Do sítio de São Miguel são minhas melhores lembranças da infância, pois passei todas as férias escolares lá. O lugar era banhado por um riacho bastante caudaloso, que descia montanha abaixo por entre centenas de pedras. O rio passava atrás da casa sede ainda encachoeirado, desaguando numa
várzea logo abaixo onde recebia a contribuição de mais um córrego de mesmo tamanho que nasce na parte mais alta do sitio vizinho do falecido Zé Quirino. Este rio deságua no rio São Domingos, na altura da ponte dos Benfica, que vai dar mais adiante no Rio Guandu. O sítio era circundado por montanhas de granito. A montanha do fundo, muito alta e em forma de penhasco, faz divisa com o Estado de Minas Gerais. Entre as montanhas, num pequeno vale, instalou-se Zé Netto e sua família. 
A propriedade tinha três casas. A casa sede era feita com estrutura de madeira (Braúna) e paredes de estuque, rebocadas e pintadas de cor branca com barro-branco tirado de uma mina próxima. Tinha quatro quartos de dormir, duas salas, uma grande e uma pequena. A casa era feita no alto, com duas varandas na frente, uma elevada na altura do segundo andar e a outra na altura do chão, onde as visitas entravam e subiam por uma escada até a parte superior. As varandas eram de madeira com parapeito de ripas trabalhadas e pintadas na cor azul, assim como todas as molduras da casa eram na cor azul. O assoalho era de madeira encerada (era muito escorregadio). Como já disse, a casa tinha quatro quartos de dormir, dois com saídas para a sala, dois que estavam juntos. Para entrar em um deveria passar pelo outro (acredito que estes eram usados pelos e pais e pelas filhas, de modo a facilitar a vigilância), um quinto quarto ficava na parte da frente, na varanda, era para acomodar pessoas não próximas. A cozinha ficava num plano mais baixo que a casa principal. Da sala para ir até a cozinha, que ficava quase a altura do chão, descia-se mais de uma dúzia de degraus. A cozinha era grande com uma mesa ao centro, comportando umas vinte pessoas, com bancos de madeira de cada lado. Um fogão à lenha num canto e umas prateleiras com os brilhantes utensílios de alumínio era o que tinha. Cinco janelas deixavam a claridade iluminar o ambiente. Uma porta dava para sala subindo as escadas, outra dava para o escuro banheiro que só servia para tomar banho com um tucho de água fria que caia com muita força da caixa d’água. Neste local não se fazia as necessidades fisiológicas, estas eram feitas no "mato". A terceira porta dava para os fundos onde tinha uma cobertura com uma pia e um tanque, para lavar louças e roupas. As panelas de alumínio e de ferro eram areadas ao lado no chão até ficarem brilhantes. A água que servia a casa caia dia e noite captada da parte alta do rio e encanada até a caixa d’água sobre o banheiro, cujo ladrão jorrava sem parar. Mais ao fundo tinha uma casinha onde estava instalada uma fornalha com um “forno” de torrar farinha (grande tacho de ferro incrustado na fornalha de barro) e o forno tipo pizzaria onde se assavam as “brevidades” e “merendas”, broas de milho, bolos, biscoitos de polvilho, de mandioca e araruta e outras gostosuras. No local também ficava guardado o utensílio com que se trituravam as mandiocas para fazer a farinha e o polvilho. Embaixo da casa se guardavam os utensílios agrícolas e também tinha um chiqueiro para porcos ainda filhotes, as galinhas e cachorros também se alojavam por ali.

No alto da varanda se via quase toda a propriedade, dali era possível ver se alguém atravessava a porteira e onde estavam os trabalhadores e chamá-los para o almoço. 

Ao lado da casa sede tinha uma pequena casa (quarto, sala e cozinha) onde morou até o falecimento a mãe de Zé Netto, Anna Maria de Jesus, “Madrinha Sanica”, como era conhecida. Ela faleceu em 1980 e seu corpo foi sepultado no cemitério de São Miguel, atrás da pequena igreja, próximo do sítio cerca de uma légua. 

Na entrada do sítio existia uma terceira casa, feita no mesmo padrão que a casa sede, só que menor, com três quartos, sala, copa e cozinha. Os últimos anos de vida de José e Maria foram vividos nesta casa, pois a casa sede teve que ser demolida, por ter os cupins destruído o madeiramento. 

Me lembro de dois cachorros que meus avós tinham, o Jagunço, do tempo que era criança. Ele era um vira latas bem grande. Metia medo! O outro, já na minha adolescência, era o Gaúcho, um vira latas bem menor que o jagunço, mas valente, botava bicho e gente para correr. Adorava caçar tatus. 

Quase tudo que se usava na propriedade era feito lá. Minha avó e tias faziam sabão com as sobras dos porcos abatidos e cinzas do fogão que eram obtidos com o acréscimo de soda. A carne de porco era a principal, no terreiro sempre tinha um capado na engorda. Após o abate do animal as carnes eram todas fritas em um caldeirão de ferro, com a própria gordura do bicho. Após a fritura as carnes eram armazenadas na gordura, em latas, onde permaneciam por meses. Meu avó tinha um canavial que servia para abastecer o engenho movido a tração animal, onde eram moídas as canas para a extração da garapa, que virava rapadura ou melado após ser aquecida em um imenso taxo de metal. O engenho ficava na frente da casa e ao lado, uma cobertura onde se processava a garapa. Meus avós deixavam o melado armazenado em latas, que também era usado para adoçar o café. 

Meu avó plantava muita coisa: café, que era usado para o consumo e o restante era vendido; no brejo ele plantava o arroz, que também tinha o excedente vendido. A plantação de arroz era muito bonita de se ver, pois quando nova, o brejo ficava como um tapete verde e quando amadurecia o campo ficava todo amarelo. Ele plantava também feijão e milho, na várzea e no morro. O morro era um problema, pois, tinha muitas pedras e era muito acidentado, este local ele não usava com muita frequência para o plantio, deixando para pasto, que arrendava para terceiros. Zé Netto não gostava de criar bovinos ou equinos. Meu avô ainda plantava amendoim, mandioca, batata doce, laranja, banana e abóbora. A banana e abóbora serviam para engordar porcos. Eram colhidos vários cachos de banana verde, meu avô colocava aquilo para cozinhar num panelão de ferro e depois dava para os porcos comerem. Fazia do mesmo jeito com as abóboras. O milho era vendido quando a produção era boa, mas de modo geral servia para alimentar os porcos, as galinhas e patos. Os pintinhos eram alimentados com canjiquinha de milho que moíamos ali mesmo, com um moinho movido a
mão. O arroz era pilado em um sitio vizinho, que ficava com parte da produção como forma de pagamento; o fubá, da mesma forma, era levado para o moinho tocado à água no vizinho e ele ficava com parte do produto como forma de pagamento. A comida básica era arroz, feijão, farinha de mandioca e milho, carne de porco ou galinha, que não eram servidos todos os dias, ovo frito e polenta. A polenta (em outros lugares conhecida como angu) minha avó fazia revolvendo a massa sem parar em uma panela de ferro com uma colher de madeira. Ainda tinha a horta com alguns legumes e principalmente couve; no pomar as frutas principais eram a manga (coquinha, espada e rosa) e laranja, que meu tio colhia e enchia sacos para vender. 

Da entrada do sítio até a casa sede a estrada era ladeada por pequenos arbustos roxos e pé de pinhão (o que se usa para fazer sabão). No terreiro da casa minhas tias plantavam flores por todos os cantos, graxa, dália, rosas, cravos, boca de sino, belas touceiras de capim ornamental, e outras. Tinha também dois grandes pés de coco

Zé Netto, sempre foi a pé a Afonso Cláudio para resolver as coisas, pelo menos uma vez por semana ele fazia isso. Andava a pé por cerca de 40 quilômetros até a “rua”, como eles chamavam a cidade. 

Minha avó Mariquinha era muito boa com os netos, sempre fazia nossas vontades e nos tratava muito bem em sua casa, apesar de nossas bagunças.

Quando íamos em sua casa, era sempre uma festa, pois juntavam vários primos e tios e fazíamos tudo o que tinha para fazer na roça (plantio, manutenção e colheita). Matar porcos, buscar vacas e cavalos no pasto, caçar bichos, pescaria, ajudávamos na lida da roça, entrávamos na mata para recolher árvores mortas para fazer lenha, depois tínhamos que serrar e lascar todas as toras para fazer a lenha.    

José e sua esposa morreram na década de 1990, depois disto, nós vendemos o sitio para o médico dr. Walter. Nunca mais voltei lá, mas as lembranças permanecem comigo e espero um dia reencontrá-los e lembrar dos velhos tempos.




2 comentários:

  1. Obrigado pelo site

    Minha mãe Marlene Pereira de Souza. Esta relembrando muita história. Meu avô Vicente Pereira dá Silva era muito amigo de José neto, minha mãe gostava muito de ir lá, a mulher dele sempre gostava de agradar.

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  2. Olá, eu que agradeço pela visita. Gostaria muito de ouvir as histórias que o seu avô tem. Se puder colher alguma coisa, favor me avisar. Grato. Abraço.

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