Maria da Paz Gomes (Waleska, Cantora)

Waleska era conhecida por interpretar canções românticasEm algum momento da bem-sucedida carreira como cantora, Waleska, a “Rainha da Fossa”, apresentou-se no Clube Álvares Cabral, em Vitória. Aquela noite foi uma redenção para a menina batizada como Maria da Paz Gomes, que nasceu em 1941 na cidade de Afonso Cláudio, viveu a infância em São José do Calçado, a juventude em Vila Velha e se consagrou no Rio de Janeiro.
Órfã de mãe, vitimada pela tuberculose, Maria sofreu, ainda pequena, a hostilidade e o conservadorismo do interior do Brasil. Foi com o pai e os irmãos para Vila Velha, onde acompanhava os passos de Walkíria Brasil, a irmã mais velha que cantava na Rádio Espírito Santo. Nessa época, conseguiu, sem um vestido adequado, entrar em um dos famosos bailes do Álvares. Mas foi expulsa. “Saí gata borralheira e voltei Cinderela. Minha história é quase como um conto de fadas”, afirma Waleska. 
Essa é apenas uma das muitas histórias escritas ao longo de mais de 30 anos, reunidas no livro “Foi à Noite”, no qual Waleska narra os anos como crooner no Rio de Janeiro, a história das casas noturnas e Fossa, que comandou nas décadas de 1960 e 1970, a infância humilde no interior do Espírito Santo e algumas passagens marcantes de sua biografia. Além das boas histórias da boemia carioca, acompanhada, entre tantos, por Vinicius de Moraes, que a apelidou de Rainha da Fossa, e pelo jornalista e compositor Sergio Bittencourt, seu grande amigo e incentivador, Waleska conta momentos tristes, como o aborto que fez obrigada por um companheiro e sua experiência em um centro de umbanda no Forte São João, quando foi abusada pelo pai de santo. 
“Estou tendo problemas familiares porque um irmão mais velho acha que eu expus a família. Mas são histórias minhas e eu estou fazendo uma denúncia de pedofilia, essa é a intenção”, afirma. “Minha ideia era mostrar a menina que saiu do interior e continua íntegra, digna. Quantas jovens passam pelos mesmos problemas e se perdem?”, questiona. 
Os casos contados por Waleska têm o frescor proporcionado pelos cadernos e diários que guardou ao longo de décadas. Alguns são cômicos, outros passam a ideia exata daqueles tempos de repressão e ousadia artística. O certo é que todos contribuem para elaborar um painel da MPB e da música romântica brasileira. Também há belos depoimentos, recentes ou registros da época, de gente como o maestro e produtor Rildo Hora, do compositor Tibério Gaspar e do amigo Sergio Bittencourt. 
“Nunca tive pretensão literária. Toda noite quando eu chegava em casa tinha um caderno em que escrevia, como um desabafo. Sempre anotava tudo que acontecia, com as datas”, diz a cantora e escritora. 
Para alcançar o sucesso, Waleska deixou o Espírito Santo no início da década de 1960 e foi para Belo Horizonte, onde cantou na Rádio Inconfidência. De lá foi para o Rio de Janeiro, onde, entre 1967 e 1968, foi proprietária e principal atração do PUB, apelidado por Sergio Bittencourt de “Pontifícia Universidade dos Boêmios”. Verdadeiro point da noite carioca, o PUB foi cenário para importantes parcerias musicais. O primeiro disco, “Uma Noite na Fossa”, acompanhada do violonista Josemir, foi gravado ali. Depois vieram outros que se tornaram clássicos do estilo consagrado pela cantora, a música de fossa. “Fossa na época era cult, era um estado de espírito do brasileiro, por conta da ditadura, da repressão”, contextualiza a cantora, que se inspirou e foi amiga de Maysa. “No início eu a imitava e depois fui buscando meu próprio caminho. Fiquei como uma seguidora, porque ela é insubstituível.” 
Cinco anos após a morte de Maysa, Waleska estreou o show “Mito, Mulher, Maysa”, no qual contracenava com Gracindo Jr. e era dirigida por Bibi Ferreira, sucesso no Copacabana Palace. Foi quando Bibi a definiu. “Ela disse: ‘você é uma atriz que canta, uma atriz de um personagem só’”, lembra. 
O 18º disco acaba de ser lançado: “20 Super Sucessos Vol. 3”, quando comemora 45 anos de carreira, mais próxima da música romântica do que propriamente daquela fossa típica de fins dos anos 1960. 
Do Espírito Santo, além das lembranças tristes, também há os momentos felizes da família e as temporadas de verão passadas em Guarapari. Mas foi em Vitória, no Cine Santa Cecília, que Maria da Paz Gomes assistiu ao filme que mudaria sua vida para sempre: “Madame Walewska”, com Greta Garbo e Charles Boyer. “No começo eu queria ser atriz, um pouco de Greta Garbo, de Marilyn Monroe e fui construindo um personagem. Aquela piteira, a roupa preta...”, diz Waleska sobre o figurino que marcava suas apresentações. “Meu analista falou que eu fiz isso para poder fugir daquela realidade triste. Então virei esse personagem”[1].
Waleska faleceu aos 75 anos, no dia 14 de outubro de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, após 3 anos de luta contra um câncer no pâncreas.




[1] GRAIZE, Vitor. A Gazeta. 17 de fevereiro de 2011.
Foto: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/musica/morre-cantora-waleska-aos-75-anos-no-rio-20292154.html

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