
Órfã de mãe, vitimada pela tuberculose, Maria sofreu, ainda pequena, a hostilidade e o conservadorismo do interior do Brasil. Foi com o pai e os irmãos para Vila Velha, onde acompanhava os passos de Walkíria Brasil, a irmã mais velha que cantava na Rádio Espírito Santo. Nessa época, conseguiu, sem um vestido adequado, entrar em um dos famosos bailes do Álvares. Mas foi expulsa. “Saí gata borralheira e voltei Cinderela. Minha história é quase como um conto de fadas”, afirma Waleska.
Essa é apenas uma das muitas histórias escritas ao
longo de mais de 30 anos, reunidas no livro “Foi à Noite”, no qual
Waleska narra os anos como crooner no Rio de Janeiro, a história das casas
noturnas e Fossa, que comandou nas décadas de 1960 e 1970, a infância humilde
no interior do Espírito Santo e algumas passagens marcantes de sua biografia.
Além das boas histórias da boemia carioca, acompanhada, entre tantos, por
Vinicius de Moraes, que a apelidou de Rainha da Fossa, e pelo jornalista e
compositor Sergio Bittencourt, seu grande amigo e incentivador, Waleska conta
momentos tristes, como o aborto que fez obrigada por um companheiro e sua
experiência em um centro de umbanda no Forte São João, quando foi abusada pelo
pai de santo.
“Estou tendo problemas familiares porque um irmão mais velho acha
que eu expus a família. Mas são histórias minhas e eu estou fazendo uma
denúncia de pedofilia, essa é a intenção”, afirma. “Minha ideia era mostrar a
menina que saiu do interior e continua íntegra, digna. Quantas jovens passam
pelos mesmos problemas e se perdem?”, questiona.
Os casos contados por Waleska
têm o frescor proporcionado pelos cadernos e diários que guardou ao longo de
décadas. Alguns são cômicos, outros passam a ideia exata daqueles tempos de
repressão e ousadia artística. O certo é que todos contribuem para elaborar um
painel da MPB e da música romântica brasileira. Também há belos depoimentos,
recentes ou registros da época, de gente como o maestro e produtor Rildo Hora,
do compositor Tibério Gaspar e do amigo Sergio Bittencourt.
“Nunca tive
pretensão literária. Toda noite quando eu chegava em casa tinha um caderno em
que escrevia, como um desabafo. Sempre anotava tudo que acontecia, com as
datas”, diz a cantora e escritora.
Para alcançar o sucesso, Waleska deixou
o Espírito Santo no início da década de 1960 e foi para Belo Horizonte, onde
cantou na Rádio Inconfidência. De lá foi para o Rio de Janeiro, onde, entre
1967 e 1968, foi proprietária e principal atração do PUB, apelidado por Sergio
Bittencourt de “Pontifícia Universidade dos Boêmios”. Verdadeiro point da noite
carioca, o PUB foi cenário para importantes parcerias musicais. O primeiro
disco, “Uma Noite na Fossa”, acompanhada do violonista Josemir, foi gravado
ali. Depois vieram outros que se tornaram clássicos do estilo consagrado pela
cantora, a música de fossa. “Fossa na época era cult, era um estado de espírito
do brasileiro, por conta da ditadura, da repressão”, contextualiza a cantora,
que se inspirou e foi amiga de Maysa. “No início eu a imitava e depois fui
buscando meu próprio caminho. Fiquei como uma seguidora, porque ela é
insubstituível.”
Cinco anos após a morte de Maysa, Waleska estreou o show
“Mito, Mulher, Maysa”, no qual contracenava com Gracindo Jr. e era dirigida por
Bibi Ferreira, sucesso no Copacabana Palace. Foi quando Bibi a definiu. “Ela
disse: ‘você é uma atriz que canta, uma atriz de um personagem só’”, lembra.
O
18º disco acaba de ser lançado: “20 Super Sucessos Vol. 3”, quando comemora 45
anos de carreira, mais próxima da música romântica do que propriamente daquela
fossa típica de fins dos anos 1960.
Do Espírito Santo, além das lembranças
tristes, também há os momentos felizes da família e as temporadas de verão
passadas em Guarapari. Mas foi em Vitória, no Cine Santa Cecília, que Maria da
Paz Gomes assistiu ao filme que mudaria sua vida para sempre: “Madame
Walewska”, com Greta Garbo e Charles Boyer. “No começo eu queria ser atriz, um
pouco de Greta Garbo, de Marilyn Monroe e fui construindo um personagem. Aquela
piteira, a roupa preta...”, diz Waleska sobre o figurino que marcava suas
apresentações. “Meu analista falou que eu fiz isso para poder fugir daquela
realidade triste. Então virei esse personagem”[1].
Waleska faleceu aos 75 anos, no dia 14 de outubro de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, após 3 anos de luta contra um câncer no pâncreas.
Waleska faleceu aos 75 anos, no dia 14 de outubro de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, após 3 anos de luta contra um câncer no pâncreas.
[1]
GRAIZE, Vitor. A Gazeta. 17 de fevereiro de 2011.
Foto: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/musica/morre-cantora-waleska-aos-75-anos-no-rio-20292154.html
Foto: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/musica/morre-cantora-waleska-aos-75-anos-no-rio-20292154.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário