A Revolta do Xandoca em Afonso Cláudio (ES)

Por Adilson Braga Fontes

Contato: abrafo@gmail.com

  O episódio conhecido como "Revolta do Xandoca" foi o curioso e violento momento político ocorrido em 1916, quando, na eleição para o governo estadual do Espírito Santo foram proclamados dois presidentes do estado (na época, os estados eram administrados por presidentes, não governadores), o Sr. Bernardino Monteiro e o Sr. João Gomes Pinheiro Junior. Os dois governos coexistiram durante semanas, transferindo-se o governo de Pinheiro Junior para Colatina (cidade localizada no Norte do estado), após seu grupo ser expulso à bala de Vitória.
Depois de instalado em Colatina, Pinheiro Junior viajou para o Rio de Janeiro, buscando apoio do presidente do país, Venceslau Brás, deixando seu vice, Alexandre Calmon, o Xandoca, liderando a causa revoltosa.
Xandoca recebeu o apoio de diversos correligionários afonso-claudenses, dentre eles o coronel Antonio Martinho Barbosa, ex-presidente do governo municipal e então prefeito de Itaguaçu, município que havia sido recém-emancipado de Afonso Cláudio; Seraphim Tibúrcio da Costa, também ex-presidente da intendência afonso-claudense; José Olympio dos Santos, vereador de Afonso Cláudio e o coronel Adolpho Rodrigues Gomes.
Por outro lado, o Sr. Bernardino Monteiro contava com o apoio afonso-claudense do deputado estadual José Cupertino Figueira Leite e José Giestas, este último prefeito de Afonso Cláudio durante o episódio. 
Em 6 de junho de 1916[1], no auge dos acontecimentos, o deputado José Cupertino, em visita à capital federal no Rio de Janeiro, concedeu entrevista ao jornal A República, falando sobre a crise vivida no Espírito Santo.
Segue a entrevista:
“Ao deputado (segundo ele ainda assim se considera) José Cupertino Figueira Leite, chegado ontem de Vitória, a bordo do ‘Itassucê’, tivemos o prazer de ouvir sobre os últimos acontecimentos de Vitória.
Gentil e maneiroso, parece mais um carioca do que um chefe político da afastada e longínqua cidade de Afonso Cláudio, no extremo oeste do Espírito Santo.
- Como explica os graves acontecimentos de Vitória?
- Como um manejo da oposição com o fim de escalar o poder pela força, através dos atentados que um povo civilizado jamais poderá perdoar. Depois de concertar o plano de assalto às repartições principais do estado, iniciaram a sua excursão pela interceptação da linha elétrica que fornece luz e força a Vitória. Isto feito, os grupos oposicionistas (de capangas e desordeiros dos bairros da Saúde e da Favela, da capital) fizeram grande descarga de fuzilaria sobre o palácio do governo, palácio do congresso, posto policial, quartel de polícia e câmara municipal. Repelidos com vantagem logo nos primeiros momentos tentaram com segundas cargas levar adiante a empreitada: não o conseguiram. A polícia, destacada para guarnecer os pontos preferidos pelos atacantes, procedeu com admirável correção e denodo, cumprindo bem o seu dever.
- Se a provocação partiu dos elementos pinheiristas, porque razão se retiraram estes para o Rio, alegando não terem garantias de vida?
- A retirada não se fez, pois estavam até o dia 25 em Vitória, plenamente garantidos pelo governo estadual. O que os oposicionistas fizeram foi retirar da capital as suas famílias para evitar que elas sofressem os efeitos da selvageria, que praticaram na noite do dia 22 para 23.
- Quais os feridos do grupo monteirista?
- Registram-se o leve ferimento do Dr. Henrique de Novaes, atual prefeito da capital e o de uma sentinela do quartel de polícia, atingida por uma bala, isto foi o que ocorreu na noite de 22 para 23 deste mês. Entre os oposicionistas não houve um só ferimento. É de notar-se ainda que no conflito de Cachoeiro, foram mortos uma praça de polícia e um paisano; no de Colatina, foram feridos um tenente e um praça de polícia, sendo morto outro.
Em vitória, um oposicionista foi ferido quando alvejava o deputado José Maria Gomes (monteirista), em plena rua.
É de ver que em todos os conflitos, enquanto aparece um ferido da oposição, ficam feridos quatro e mortos três do governo.
Assim é que o governo persegue a oposição.
- Como julga que se resolverá o caso da dualidade?
- Penso que já está por si resolvido pela posse legal e exercício continuado do cargo de presidente do estado, por parte do Dr. Bernardino Monteiro.
- Pensa que o presidente da república opine pela intervenção federal?
- Não; estou certo que o Sr. presidente da república, criterioso como se tem revelado até aqui em todos os seus atos, não concordará que se faça a intervenção. S. Ex. conhece bem as responsabilidades que lhe pesam, sabe praticar a justiça e com a serenidade de ânimo que tem sempre nas decisões de assuntos graves, como este, saberá ainda mais uma vez dar mostras de sua superioridade e elevação de espírito. Sendo s. Ex. possuidor dessas qualidades, não acredito que haja intervenção.
- Como se deram os distúrbios em Colatina?
- Não posso dizer mais que os jornais têm dito, pois que não os assisti.
- Como acha que terminará tudo isto?
- Penso que, cessando a exploração que no estado fazem com o nome do Sr. presidente da república, tudo se normalizará. S. Ex. não sabe o que por lá se passa, mas posso assegurar que a única força que anima a oposição para tantos motins e conflitos é usarem os oposicionistas, abusivamente, covardemente, do nome do Sr. presidente da república.
- O Sr. e o senhor Virgínio Calmon vieram ao Rio em missão reservada ou a mandado ou a pedido do Sr. Monteiro?
- Absolutamente não. Eu vim me tratar, a conselho de meu médico, dr, Antonio Aguirre, e nosso distinto correligionário, coronel Virgínio Calmon, que, por sinal, é irmão do pseudo vice-presidente da oposição, coronel Alexandre Calmon, veio a negócios.” 
Em 29 de junho de 1916[2], o Sr. Antonio Calmon, negociante na capital e já mencionado, irmão do Sr. Alexandre Calmon, esteve no palácio do governo estadual, onde foi combinar os meios de efetivar as garantias prometidas pelo Dr. Bernardino Monteiro em favor do seu irmão, o referido Alexandre Calmon, e seus amigos, reunidos na vila de Colatina, onde estava montado o governo paralelo do estado.
Segundo informou o jornal O Paiz, um grupo de jagunços, chefiados por Antonio Martinho Barbosa (classificado pelo jornal como chefe dos cangaceiros), saindo de Colatina, atacou de surpresa a cidade de Afonso Cláudio, a qual já havia governado, colecionando muitos inimigos.
Martinho Barbosa e Seraphim Tibúrcio da Costa[3], à frente de numerosos jagunços vindos de Colatina, atacaram a cidade de Afonso Cláudio, onde se achava um pequeno contingente de força garantindo a segurança dos habitantes e autoridades judiciárias. Os jagunços foram repelidos, estando feridos dois soldados.
Apesar das ameaças e ataques dos mesmos jagunços, o presidente do estado permaneceu no propósito de não atacar Colatina, quartel general dos oposicionistas.
Segundo o jornal A Noite, do Rio de Janeiro, nada mais houve de mais grave no estado além das ocorrências de Afonso Cláudio.
Ainda de acordo com o jornal O Paiz, o ataque a Afonso Cláudio tinha por objetivo assassinar o coronel José Cupertino, deputado estadual e chefe do situacionismo local, bem como o comandante do destacamento que guarnecia a cidade.
O deputado não estava na cidade, somente o prefeito José Giestas se encontrava, ajudando a liderar a cidade na expulsão dos invasores.
O coronel Ramiro de Barros, outro importante líder afonso-claudense, não vivia na cidade desde 1908 e estava afastado da militância política, fazia muitos anos.
Durante os dias de terror vividos em Afonso Cláudio, muitas violações da lei foram cometidas contra a população, por pessoas de ambos os lados.
O jornal A Época, de 10 de julho de 1916[4], publicou a história de crueldade praticada contra moças de Afonso Cláudio pelo ajudante de ordens do Sr. Bernardino Monteiro, o oficial Ramiro Martins.
O fato foi narrado pelo próprio pai das vítimas, em carta escrita ao senador João Luiz Alves, datada de 28 de junho de 1916.
Dizia a carta:
“Exmo. Sr. senador João Luiz Alves. Eu e minha família, espancados em nossa casa barbaramente pela força comandada pelo o já celebre Ramiro Martins, ao mando dos miseráveis Monteiros, tendo os bandidos servidos de minhas duas filhas solteiras em minha vista, dentro de minha casa, estamos sem poder fugir, peço a V. Ex. na qualidade de representante da nação pedir ao Sr. presidente da república que tenha piedade deste povo dando garantias individuais.
Todos os oposicionistas (apoiadores do Xandoca) desta comarca estão se retirando para Minas, na cidade que fica perto de mim dois mil metros não existe uma só família ali, só se vê soldados e jagunços e o marido da agente do Correio que está debaixo da ordem do Ramiro, tendo levado três tiros que não acertaram, tenha pena deste povo. Assinado, José Domingos dos Santos.”
O tal Ramiro Martins era capitão da polícia, ajudante de ordens do Sr. Bernardino Monteiro e havia sido destacado para comandar a força policial em Afonso Cláudio e a tomada de Colatina, mas ao invés de cuidar dos moradores ajudou a espalhar barbáries entre a parte mais frágil da população. O Sr. Ramiro Martins era casado com uma tia dos irmãos Bernardino e Jeronymo Monteiro.
Em 17 de julho de 1916[5], o capitão Ramiro Martins e sua tropa rumou para Boa Família (Itaguaçu), sendo bem recebido na casa do coronel Martinho Barbosa pela liderança da câmara municipal, que ofereceu-lhe um banquete no Hotel Guanduense, a ele comparecendo as altas autoridades judiciárias da comarca e outros oficiais.
Na véspera de sua partida de Afonso Cláudio, o deputado José Cupertino ofereceu-lhe, em sua residência, uma soirée dançante, comparecendo diversas famílias da cidade. Na ocasião comemorou-se a expulsão dos aliados de Alexandre Calmon da cidade, incluindo entre os expulsos muitos afonso-claudenses simpatizantes da causa do Xandoca, e foram homenageados, além de Ramiro Martins, os Srs. Bernardino e Jerônimo Monteiro, Francisco Salles (senador mineiro inimigo político de Vensceslau Brás e apoiador da causa monteirista) e o coronel Marcondes Souza, ex-presidente do estado.
Na festa oferecida na casa do coronel José Cupertino, compareceu o Sr. Adolpho Rodrigues Gomes, chefe local da oposição (aliado do Xandoca) e parente do coronel José Cupertino.
Segundo o Diário da Manhã[6], a presença de Adolpho Gomes na casa do referido deputado redimia o capitão Ramiro Martins das acusações de abusos em sua incursão pela cidade.
Em agosto de 1916[7], os Srs. coronéis José Cupertino Figueira Leite, deputado estadual, e José Giestas, prefeito municipal, telegrafaram ao deputado federal Jerônimo Monteiro, protestando contra acusações do deputado Deoclécio Borges, sobre supostos espancamentos de presos oposicionistas em Afonso Cláudio.
Sobre as acusações, os coronéis pediram provas do que fora propalado, afirmando que na cidade existiam advogados, escrivães, o juiz e oposicionistas que poderiam dar os seus testemunhos sobre os supostos crimes.
No fim do mês de agosto de 1916[8], o impasse e os conflitos, finalmente cessaram com a legitimação dos eleitos presidente e vice-presidente do estado, os Srs. Bernardino de Souza Monteiro e Antonio Francisco de Athayde.
Os adversários, perdedores da disputa, Alexandre Calmon e seus companheiros, refugiaram-se em Minas Gerais.
Para comemorar a vitória dos monteiros, o povo saiu às ruas de Afonso Cláudio para comemorar, soltando foguetes e ao som da banda de música “Euthepe Guanduense”, que marchava executando o dobrado “O triunfo”. A banda fez uma parada em frente à casa do capitão Júlio Zacharias Gomes, na praça Jeronymo Monteiro. Ao seu convite os líderes do povo foram introduzidos em sua casa, onde foram servidas bebidas finas, após o que tomou a palavra o Dr. Manoel Beiriz, presidente da câmara municipal que, elogiou a câmara dos deputados, e enalteceu as qualidades do Dr. Bernardino Monteiro. Falou também o Dr. Samuel Chaves. O prefeito José Giestas não estava na cidade.
Após os discursos, o povo e a banda de música se retiraram percorrendo as ruas da cidade; a banda executava o dobrado “Capitão Ramiro”, o povo dava vivas ao coronel José Cupertino, ao capitão Ramiro, e outros. Num clima de festa, os antigos inimigos esqueciam suas desavenças e o povo ficava com a conta.






[1] Diário da Manhã. Vitória, 6 jun. 1916, ano X, n. 245, p. 1.
[2] O Paiz. Rio de Janeiro. 30 jun. 1916, ano XXXII, n. 11589, p. 2.
[3] A Noite. Rio de Janeiro. 30 jun. 1916, ano VI, n. 1626, p. 3.
[4] A Época. Rio de Janeiro. 10 jul. 1916, ano V, n. 1460, p. 1.
[5] Diário da Manhã. Vitória, 27 jul. 1916, ano X, n. 288, p. 1.
[6] Diário da Manhã. Vitória, 29 jul. 1916, ano X, n. 290, p. 2.
[7] O Paiz. Rio de Janeiro. 18 ago. 1916, ano XXVI, n. 166, p. 2.
[8] Diário da Manhã. Vitória, 9 set. 1916, ano XI, n. 20, p. 2.


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