quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Coronelismo Capixaba - Bimbim, Senhor do Vale do Rio Doce

'Ele impôs a paz dos cemitérios na região do Contestado,
contabilizando em sua biografia política oito mil mortes."

Bimbim


Escreveu seu nome a bala

Coronel Bimbim. Esse nome te diz alguma coisa? Se você estiver com mais de 50 anos de idade, possivelmente. Com menos, talvez não, a não ser que sua família seja natural aqui do Espírito Santo ou do oeste mineiro. Nesse caso, então deve ter ouvido, em alguma oportunidade, um parente mais velho falar dele, já que o coronel Bimbim foi, na região do Rio Doce, no seu tempo de domínio, senhor absoluto da vida e da morte do seus habitantes.

Não há muita diferença do que ele representou na sua região para o que significou para o Nordeste a figura de Lampião. Pode não ser exatamente igual. Mas há muita semelhança, principalmente no código de justiçamento do matador. E, ainda como Lampião, ele foi venerado pela população pobre, mas, como o outro, também odiado pelas famílias de suas vítimas.

No caso específico do coronel Bimbim, apesar de a região ter reunido, no seu período, os maiores matadores de sua história, tendo tido entre eles figuras legendárias como o tenente José Scárdua, nenhum deles, no entanto, deixou de prestar-lhe reverência e obediência. Era saudado como o principal chefe do crime, numa extensão territorial em que cabiam meio Espírito Santo e uma parte de Minas Gerais.

Seus poderes, sobre a vida dos que habitavam essa região, foram de tal ordem que um de seus sobrinhos-netos, Raul Cipriano, 60 anos, chega à ousadia de afirmar agora que "não caía uma folha de uma árvore em seu território de mando que não obedecesse a um desejo seu". Imagem que não está de todo dissociada do que ainda hoje dizem antigos moradores das cidades de Baixo Guandu (ES) e Aimorés (MG), assegurando que "ninguém partiu de lá para outro mundo, de morte matada, que não fosse por uma decisão dele".

De 1920 a meados da década de 60, o coronel Bimbim foi realmente senhor absoluto do Vale do Rio Doce.
Os mais famosos matadores da região dependiam de seu beneplácito para executar suas vítimas. Nesse tempo, inclusive, em que Bimbim imperou por lá, a região viveu o período mais violento de sua história, ajudado, em parte, pela disputa de sua posse pelo Espírito Santo e por Minas Gerais.

Para seus biógrafos, essa região contestada está na raiz da sua violência, como bem assinalou Hélio dos Santos Pessoa em seu livro "Negociador de vida na saga do rio Doce":
"A zona do vale do rio Doce, desde o começo da colonização, é palco de embates renhidos. Assim que os primeiros colonos chegaram para a região, inóspita e selvagem, tiveram que colocar à prova a força e a disposição de lutar. As disputas foram travadas em todos os sentidos. Homens, feras e selvagens se engalfinhavam em uma guerra de titãs. A questão do litígio entre o Espírito Santo e Minas Gerais influiu, de maneira desfavorável, no desenvolvimento do território. Ambos os estados reivindicavam o direito sobre a área. Mas nenhum dos dois investiu no progresso efetivo dos pequenos núcleos de povoação que iam surgindo. Não havia autoridade constituída. Os colonizadores seguiam a ordem natural das coisas, e predominou a lei do mais forte.

E foi realmente essa lei que deu origem a figuras como Bimbim, que fazia justiça com as próprias mãos.
No seu caso, ainda aos 22 anos, ele começa atirando num desafeto no Alto do Capim (MG, distante 268 quilômetros de Vitória), onde tinha sua fazenda. Daí em diante não parou de matar. Foi matando até morrer, no ano de 1964. Contudo, acabou, de certa forma - se é que se pode registrar assim de forma tão insólita - premiado, simplesmente por ter morrido de morte natural para frustração de uma legião de inimigos e regozijo de amigos e seguidores. Quem acabou abatendo-o mesmo foi o seu frágil coração, aos 69 anos de idade.

Cálculos mais exagerados dão conta de que Bimbim, nos seus 40 anos de domínio sobre o Vale do Rio Doce, foi responsável por cerca de oito mil mortes. Seus parentes não reagem contra esses números, mas observam que, desses oito mil, além dos que ele próprio executou e dos que mandou executar, devem constar também as mortes pela quais não moveu uma única palha para evitá-las.

Mas matar mesmo, puxando o gatilho do seu revólver ou acionando o disparador de sua carabina, foi só no início. Grande parte dessas mortes foi de responsabilidade de seus jagunços. Apesar de todo esse rosário de mortes, seus admiradores continuam venerando-o como a um perfeito justiceiro. Embora já passados 30 anos de sua época, uma legião deles, espalhados pelo Espírito Santo e Minas, de cabelos já totalmente embranquecidos, ainda permanece o tempo todo cultuando-o como a um verdadeiro ídolo.

A mula estupradora

Um afilhado do coronel, conhecido por Criatura, residente em Barra de São Francisco, conta, com frequência, um feito, a seu ver, de justiça do padrinho: havia numa região de Afonso Cláudio, que faz fronteira com Aymorés, um homem que andava estuprando as moças da região. Com medo de que o reconhecessem, pois tratava-se de um homem muito forte, suas vítimas comumente atribuíam os ataques à figura de uma certa Mula Doida. Mas veio o dia em que ele atacou uma pessoa de idade, que não fez como as demais moças e foi direto à casa de Bimbim contar quem era o estuprador.

O coronel mandou imediatamente seus jagunços buscarem o sujeito. Mas, quando ele chegou à sua casa, o coronel constatou que se tratava de um moço muito trabalhador e resolveu mudar a forma de puni-lo. Em vez de matá-lo, optou por decepar-lhe uma de suas orelhas, marcando-o para o resto da vida como a Mula Doida da localidade.

Episódios de justiçamento à moda Bimbim existem muitos. A verdade é que, embora residisse em Minas Gerais, ele foi responsável por inúmeros crimes no Espírito Santo. Político do lado de Minas, tendo chegado inclusive ao cargo de prefeito de Aymorés, ele mantinha sua presença política no Espírito Santo, elegendo um sobrinho deputado estadual, que atendia pelo nome de Totó (Sebastião Cypriano do Nascimento) e que inscreveu também o seu nome no rol dos matadores capixabas. E com o devido destaque.


Quando a política era perigosa

Até governadores como Carlos Lindenberg, que tiveram estreita relação com a violência rural no Estado, levaram em consideração essa credencial de sobrinho do coronel Bimbim do Totó, que aplicava métodos semelhantes de justiçamento na região de sua influência política, que era Afonso Cláudio. Ele era da UDN, principal adversária do PSD, de Carlos Lindenberg.

Era um tempo, no dizer do único jagunço do coronel ainda vivo, Aponino Gomes da Silva, 79 anos, "em que a política era perigosa e não tinha os sem-vergonhas de hoje". Neste período de lutas entre UDN e PSD no Estado, Aponino, em algumas ocasiões, guarneceu o sobrinho do coronel, principalmente depois que atiraram nele e no João do Valim (ex-prefeito de Afonso Cláudio).

Mas enquanto a política do lado de cá da fronteira com Minas era na base do tiro promovido pelo sobrinho do coronel Bimbim, do lado de lá, isto é, em Minas Gerais, o coronel ia eliminando seus adversários para conseguir a prefeitura de Aymorés, como viria realmente a obter com o tempo. Mas isso é assunto para daqui a pouco. O momento é ainda de se falar das estatísticas de mortes do coronel Bimbim.

Possivelmente não ficou, enquanto viveu o coronel Bimbim, um único ladrão de cavalo com vida na região do rio Doce e do norte do Estado. Foram praticamente 40 anos matando ladrão de cavalo. Mas não foi só este o seu campo de violência. No setor político, então, caíram muitos, como também nas questões de terra e de posses. Grande parte das violências ocorridas nas ocupações do norte capixaba tem o dedo dele. Fora dessas atividades, até casamentos desfeitos passavam por ele. Maridos voltavam para casa ou morriam, e o mesmo também acontecia com as mulheres que trocavam de marido.

Se ainda hoje alguém se der ao trabalho de levantar o número de mortes desses quadros de violência em que ele esteve presente, certamente vai chegar próximo ao número previsto lá na frente, de oito mil mortes. Isto porque a semente dele espalhou-se principalmente pelo Espírito Santo, onde agiam, na mesma linha, o tenente José Scárdua, o major Orlando Cavalcante e os fazendeiros Reginaldo Paiva, Antônio Pinto, Alfredo Fagundes e o Beatriz, só para ficar com os mais importantes. "O Bimbim tinha o braço comprido demais", disse, de certa feita, Carlos Lindenberg, na sua época de governador, para dar idéia exata da presença dele na violência do Espírito Santo.

O período de crimes foi tão extenso no Espírito Santo, que Bimbim, mais seus seguidores, acabaram conhecidos como integrantes de uma organização conhecida como Sindicato do Crime. "Era de ver, disse um membro da elite de Baixo Guandu (que só falou depois da promessa do repórter de não colocar o seu nome na reportagem), como o povo já sabia quem ia morrer quando havia uma questão entre fazendeiros. Naquele tempo, a vida, infelizmente, dependia desses homens. Se forem então contar os seus mortos, não é qualquer cemitério que cabe todos eles".

Mas os poderes desse grupo acabaram no dia em que enterraram o Bimbim no Alto do Capim, no ano de 1964, muito embora pouco antes de ele morrer os desentendimentos já existissem entre os matadores, com o assassinato de Neném Maria (um dos pistoleiros mais temidos a serviço deles), e que no momento em que foi assassinado estava na companhia de dois amigos do tenente José Scárdua, que também foram mortos no episódio.

Depois que o coronel Bimbim morreu, os seus seguidores, diferentemente dele, acabaram fazendo também parte das estatísticas dos que foram assassinados, envolvidos que estiveram numa luta de grupos para ocupar o lugar dele na organização. O grupo do tenente José Scárdua matou Reginaldo Paiva e o major Orlando Cavalcanti, enquanto que os sucessores de Reginaldo mataram Scárdua e os seus pistoleiros, pondo um fim, literalmente, à era Bimbim, que cobriu de terror as populações do Vale do Rio Doce e do norte capixaba.

Pouca escolaridade, muita argúcia
O coronel Bimbim, que de batismo se chamava Secundino Cypriano da Silva, era um homem sem escolaridade, mas de uma argúcia e estratégia de ação incomuns, no dizer do ex-prefeito de Aymorés, Antônio Calvão, que é casado com uma sobrinha dele. Atribui a esses predicados a liderança que exerceu sobre os demais valentões de sua terra e do Espírito Santo.

Em matéria de aparência, lembrava muito os personagens do tempo de Pancho Vila no México, sobretudo pelo tipo físico atarracado, pelo cabelo, pelo bigode, e ainda no cinto largo, a la mexicana, que rodeava sua cintura com destaque. Identidade com o nosso homem do campo, só nos dentes de ouro, que eram, neste período, moda nos fazendeiros de pouca instrução como ele.

Não era um homem rico. Sua propriedade, no Alto Capim, tinha pouco mais de 100 alqueires - para a época, classificada de média para pequena. Mas ele comerciava muito café e também emprestava dinheiro a juros. Dizem, ainda hoje, que em matéria de café, poucos foram aqueles que negociavam fora dele, por óbvias razões de segurança.

Tinha enorme implicância com os forrós, dizia que era lugar de briga e bebida, a ponto de proibi-los quando foi autoridade em Aymorés. Na redondeza de onde morava então era raro alguém arriscar promover algum baile. Mas houve o dia da desobediência. Ele soube e foi até o local. O salão estava cheio quando ele chegou com os seus jagunços. A sanfona silenciou imediatamente com a sua chegada e todos ficaram paralisados no salão.

Ele foi para o centro do salão e mandou separar os homens das mulheres. E foi a um por um indagando se gostava de dançar. Todos responderam, invariavelmente, que sim. Ele falou então que ia fazer a vontade deles: mandou separar o salão no meio com uns bancos e botou homens de um lado e mulheres do outro. E obrigou os homens a dançarem entre si, fazendo o mesmo com as mulheres. E foi embora. Ninguém parou de dançar antes de o dia clarear.


Vitória escrita com sangue

Excentricidades à parte, sua estratégia, para se tornar prefeito de sua terra, rendeu uma enfiada de mortes. Ainda nos idos de 40, ele começou a participar de eleições apoiando candidatos do PSD. Em 54, elegeu-se vice-prefeito na chapa de Zequinha Henrique. Foram eleitos pelo PSD, uma vitória também tirada com a ajuda da jagunçada do Bimbim, que tomava de assalto as seções de votação, ficando dentro da cabine indevassável vigiando os eleitores.

Mas os dois se desentenderam no governo, até porque o prefeito era conhecido também pela sua coragem pessoal e havia dado uma resposta atrevida quando ele quis interferir nos negócios da administração: "Bimbim conhece montaria e sabe que quem está na garupa não governa as rédeas".

Na eleição seguinte (58), Bimbim disputou as eleições contra um candidato apoiado pelo Zequinha Henrique e perdeu por apenas 86 votos. Mas nessa eleição ele já não estava mais no PSD e sim na UDN. Sua derrota é atribuída às urnas do distrito de Mundo Novo, onde os seus jagunços foram impedidos pela polícia de tomar conta delas, como ele fez em outros lugares.

O episódio de Mundo Novo, então, ficou marcado na história política do município como a única resistência vitoriosa contra o coronel Bimbim. As urnas só deram 12 votos para ele e 402 para o seu adversário. Conta o historiador Hélio dos Santos Pessoa, também no livro O negociador de vidas na saga do rio Doce, que os jagunços do coronel toparam no lugar com um destacamento chefiado pelo cabo Machadinho, um dos militares mais respeitados da região. Houve intensa troca de tiros, obrigando inclusive a população a se refugiar nas matas. Acabou com os homens do coronel em fuga. O cabo Machadinho, que tocou os jagunços do Bimbim para fora de Novo Mundo, foi o mesmo que o desarmou em outra ocasião (episódio contestado por seus familiares).

Depois de sua derrota, Bimbim andou aconselhando uns e outros a irem providenciando pano preto, pois ia Ter muita viúva chorando. E não deu outra. Ele só não conseguiu matar um velho aliado que não ficou com ele nessa eleição, que era um próspero comerciante e proprietário rural no distrito de São Sebastião da Vala, onde ele também perdeu. Influente na política, essa pessoa, que se chamava Hamilton Santos, teve a coragem de ficar nas eleições contra o coronel. Mas depois não conseguiu permanecer na região. Mudou-se com toda a família para Belo Horizonte, não sem antes passar o maior sufoco nas mãos dos jagunços do coronel.

Três dias após sair o resultado das eleições, o prefeito Zequinha Henrique é assassinado na casa de sua amante, na cidade capixaba de Baixo Guandu, vizinha de Aymorés. Tomba com os tiros que foram dados pelo pistoleiro que atendia pelo apelido de Tiãozinho, levado pelo tenente José Scárdua. A estratégia do crime foi usar um pistoleiro de fora, já que a jagunçada do coronel era bastante conhecida em Aymorés, especialmente do Zequinha. O crime contou também com u olheiro de nome Joaquim Belo, que teve a função de vigiar a vítima para permitir que o pistoleiro chegasse no momento decisivo.

Depois da morte do Zequinha, Bimbim retirou-se do lugar por algum tempo, deixando inclusive de assumir a prefeitura na qualidade de vice, voltando anos depois para tornar a disputar outra eleição e desta vez vencê-la. Mas, antes dessa sua vitória para a prefeitura de Aymorés, muita gente desapareceu do município e outras tantas, especialmente influentes lideranças políticas que estiveram contra ele nas eleições de 58.

Altamiro Santos pagou caro por Ter deixado de apoiá-lo. Começou com uma pressão psicológica dos seus jagunços junto à sua família. Depois porcos, galinhas, bois foram aparecendo mortos nos terreiros e nos seus pastos. Proibiu que o pessoal comprasse em sua venda. E por fim, mandou incendiar sua casa e sua loja comercial.

Altamiro levou a família para Belo Horizonte mas só conseguiu sair muito depois, sob proteção de amigos e policiais. Foi colocado num teco-teco, já que era impossível sair por terra; os jagunços do coronel Bimbim tinham tomado conta das saídas de Aymorés e da estação de trem.

Outros adversários seguiram o mesmo caminho de Altamiro para não morrer nas mãos dos jagunços do coronel. Assim ocorreu com o fazendeiro Davi de Oliveira Silva, com Manoel Coimbra (teve que entregar sua fazenda a um vizinho e sair corrido), Josué de Oliveira (por Ter ajudado Altamiro na sua fuga), José de Oliveira Pinto, Manoel Medeiros de Oliveira, Virgílio de Oliveira (vendeu sua fazenda por preço irrisório e se mandou, assim ocorreu com Ari Lagner), e ainda Vicente Pereira Reis, o pastor José de Oliveira e Jaci Cruz, Roldão Lopes, Alvim Modesto, Henrique Corte, Vicente Rodrigues Neto, Levi Rodrigues, Natanael Rodrigues, Sebastião Cortez, Gabriel José de Oliveira, Armindo Francisco, José Marcelino, Antônio Ferreira, Manoel Felix. E muitos outros de menor significado político.

Depois dessa diáspora de adversários, que ocorreu em 1961, véspera portanto das eleições de 1962, o coronel Bimbim elegeu-se finalmente prefeito de Aymorés sob o slogan "Adversário político é inimigo, e inimigo a gente não conversa, mata". Ganhou co 90% dos votos válidos, mas só governou dois anos. Faleceu no dia 18 de abril de 1964, na metade do seu mandato. Foi enterrado no alto do Capim num sepultamento que reuniu mais de cinco mil pessoas, entre jagunços, deserdados da sorte e companheiros de crimes.

Aponino, o fiel escudeiro

Para um homem de 79 anos, às vésperas dos anos 80, ele está enxuto. Alto, sorridente, mas silencioso, principalmente quando o assunto é o coronel Bimbim. Falara com ele só foi possível depois que se apelou para parentes do coronel. O médico Zezinho Cypriano e o dirigente petista Perly Cypriano, um neto e o outro sobrinho, ajudaram, indo com o repórter a Aymorés.

Mas Aponino, cujo nome inteiro á Aponino Gomes da Silva, como o jagunço de maior confiança do coronel Bimbim, falou muito pouco, pois, como disse, o coronel não gostava de falador. Aponino estava no carro em que o coronel passou mal no caminho de casa e veio a falecer. Eram ele e o motorista que atendia pelo nome de Cereais. O coronel tinha o hábito de na Sexta-feira ir para a fazenda passar o fim-de-semana. Descansar dos afazeres da prefeitura e conversar com o povo do lugar, que o viu nascer e que ele viu também nascerem os filhos dos amigos. Aponino lembra a hora em que ele passou mal:
- Estou com uma dor forte no coração.
O jagunço sugeriu voltar para Aymores. Ele rejeitou:
- Se tiver que morrer, prefiro morrer em casa. Toca pra lá.
E morreu dentro da casa.
Falar da sua relação com o coronel é apenas ouvir a resposta de que era do jeito que ele falasse. Era cumprir as suas ordens. E guardar o homem como ele fazia no tempo todo do Bimbim prefeito. Ficava o tempo todo do lado de fora do seu gabinete só assuntando o pessoal. E o acompanhava quando ele saía à rua.
- Armado?
- Nunca andei armado para mostrar. Sempre aquartelado.
- Quantos matou?
- Um sorriso surgiu no seu rosto, e ele balançou a cabeça em sinal de reprovação, mas o neto do coronel, Zezinho Cypriano, entrou também no assunto:
- E a história daquele povo que cercou meu avô e vocês na serra? Como é que foi essa história direito?
- Era o sargento Duque,Veni Cordeiro, João Brandini e Nena Salino. Nós fomos avisados que eles estavam tocaiando na serra. Estavam até com metralhadora. Voltamos e passamos por outro lugar.
- E depois?
- Eles foram morrendo um a um... só Veni é que se mandou. Voltou depois da morte do Bimbim. Abílio e Toti, meus companheiros, mataram. Era o último que faltava da tocaia.
- Abílio e Toti eram jagunços como o senhor?
- O Bimbim não tinha jagunços, tinha amigos...
- Além desses dois e do senhor, quantos amigos o Bimbim tinha mais?
- Tinha o olímpio, Carrerinho, Faisca, Manoel Afonso e o Barbi (deve ser Balbi)... O Barbi foi dos melhores atiradores.
- Como vocês agiam nas eleições?
- Era como se ele queria. No alto Capim, por exemplo, era do jeito que ele falasse e dava certo. Quem não votava nele tinha que ir embora cedo. A urna só tinha que Ter votos dele.
(Zezinho Cypriano quer saber dele como é que foi o episódio em que a polícia subiu a serra - Alto Capim fica no alto de uma serra - para prender Bimbim por causa do assassinato do prefeito Zequinha Henrique. E se era verdade que havia realmente 200 homens a serviço do coronel para enfrentar a polícia)-
- Nós éramos apenas uns 15 homens. Mas ia segurar eles num pontilhão e rolando pedra em cima. Mas a polícia, apesar de ser muita, não teve coragem de subir. Negociou três vezes. Só subiu quando teve informação que o Bimbim e a gente tinha se retirado.
- É verdade que você costuma dizer que só tem dó de uma morte? A que você foi matar um sujeito e encontrou ele com oito meninos ainda pequenos. Matou mas queixou-se depois ao Bimbim, que estava com dó das crianças por ficarem sem o pai. E que o Bimbim, a partir de sua queixa, enquanto esteve vivo, sustentou os meninos com uma feira semanal?
(Nesta hora Aponino baixa os olhos e não fala nada. Concorda com o seu silêncio, ao olhar dentro dos olhos do neto do coronel).
Vem do Zezinho outra pergunta indiscreta:
- É verdade que a última mulher do Bimbim, Luíza o traiu?
Aponino apressa-se a responder até com veemência:
- Traiu. Mas com quem traiu morreu.
Em seguida, desanuviando o clima proporcionado pela traição da mulher de Bimbim, Aponino disse que quando ele pegava um pedacinho de pau e começava a lapidar com o seu canivete, alguém ia cair em algum canto, pois ele sabia tirar uma árvore grossa do caminho como ninguém.
- No enterro do coronel algum dos seus homens chorou?
- Senti muitos sentimentos; homens, como nós, não choram. Choro, para gente como nós, é coisa de mulher.


Ninguém visita o túmulo do coronel

Sexta-feira, 2 de novembro, Finados, cemitério de Alto Capim, 11 horas da manhã. O repórter encontra no cemitério apenas o coveiro e um filho menor, mais um homem, aparentando uns 60 anos, acendendo velas sobre a sepultura da mulher.

Indago sobre o local da sepultura do coronel Bimbim. O coveiro indica uma sepultura de mármore negro, bem no centro do cemitério. E diz que em volta dele estão enterrados três irmãos e uma filha, mais um neto. Na sepultura do coronel não há sequer uma flor ou um sinal de visita.

Pergunto ao coveiro se alguém apareceu para visitá-lo. Ele diz que não. Da família, como de hábito, apenas apareceu a filha do irmão Acendino. Só que dessa vez ela veio na véspera. Sinais claros dessa visita aparecem no estado da sepultura do irmão: limpa e com arranjo de lírios.

Já na sepultura de Bimbim a situação é de total abandono: a parte da frente está desabando e a imagem de Nossa Senhora Aparecida, que devia dar uma aparência exuberante a ela, acha-se completamente destruída. "Essa imagem era linda", comenta o coveiro, "mas a chuva acabou com ela".

Procuro saber do coveiro sobre quem havia então acendido três velas na sepultura dele. E ele me surpreende, dizendo que foi ele próprio. "Todo finado eu acendo essas velas para a alma do coronel". E revela que o seu pai foi casado com a Severina, filha de Bimbim, ali também enterrada. Mas que ele não é filho dela e sim de outra mulher. Uma que o pai roubou quando abandonou a filha de Bimbim. Roubou mas sumiu de lá e só voltou depois que Bimbim morreu. "Bobo é que o meu pai não era de enfrentar o Bimbim depois de Ter abandonado a sua filha".

Depois do almoço o movimento aumenta no cemitério. Mas muito pouco. No máximo umas 10 pessoas. Mas o pessoal que chega não procura a sepultura dele. Só apenas um velho conhecido: Alvino Quintero, de 84 anos. Assim mesmo só foi lá depois que visitou as sepulturas da sua família: "Primeiro vou nos meus parentes. Depois dou uma olhadinha nele. O Bimbim foi um homem muito bom para esse povo daqui".

Saio do cemitério e vou à vila buscar explicação para tanto abandono. Começo a ouvir coisas como "ele era bom demais para muitos e ruim um tanto para outros", como disse Baldivino Lessa, de 60 anos, nascido e criado no lugar. Já outro dizia que depois que o Bimbim faltou o lugar acabou. "Com ele era beleza pura".

Outro diz que depois que "o velho morreu acabou a vila" e até a sua propriedade arruinou. Disse que o seu novo dono derrubou a imponente casa da fazenda junto com as palmeiras, que enfeitavam a frente da propriedade. Dizia que havia derrubado tudo para se livrar do feitiço do coronel.

A movimentada Alto Capim, do coronel Bimbim, não existe mais. Hoje é um lugar decadente e parado, com apenas 64 casas na sede do distrito, um posto de saúde, um ginásio, como o nome do coronel, um posto telefônico que mal funciona e uma igreja católica. "Agora - disse um jovem relativamente revoltado é só branchiária (capim) nas costas do povo para levar para o gado. A coisa arruinou mesmo. Sem o Bimbim este lugar perdeu a sua vida".

Fonte: http://www.seculodiario.com/reportagens/index_%20bimbim01.htm

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Coronelismo Capixaba - Os Senhores de Afonso Cláudio

Totó e Pedro Saleme
O duelo que não houve


Senhoras e senhores, esse duelo poderia ter ocorrido em qualquer dia das últimas três décadas na hoje pacata Afonso Cláudio: de um lado, Sebastião Cipriano do Nascimento, o Totó, chefe político da UDN, deputado estadual durante 20 anos e sobrinho do famoso coronel Bimbim; do outro, Pedro Saleme, líder do todo-poderoso PSD, exímio atirador cuja fama mantinha os inimigos à distância e ex-deputado estadual. Durante todo o tempo que durou a rivalidade, Totó teve ao seu lado jagunços de Bimbim e Pedro não largou de seus dois revólveres. Mais de 30 anos após o início dessa inimizade, eles resolveram dizer o que pensam um do outro, mas em diferentes lugares, pois colocá-los juntos ainda é uma temeridade. Totó, próximo dos 70 anos, mora hoje num confortável apartamento na Praia do Suá, enquanto Pedro Saleme, com 75 anos, vive na bucólica cidade serrana de Campinho. Totó está melhor de vida: desfruta de uma aposentadoria do Tribunal de Contas e de outra da Assembléia Legislativa. Enquanto Pedro esqueceu suas mágoas, Totó ainda cultiva ódio ao ex-governador Christiano Dias Lopes Filho, que o mandou prender como autor de 28 mortes ocorridas durante o episódio conhecido como Captura Branca. Depois de ir a júri três vezes, ele ficou um ano e meio preso. As histórias dessa luta de políticos do Interior são revividas por suas principais personagens, num duelo verbal.

Rogério - Como começa a sua desavença com Pedro Saleme?
Totó - Ela começa quando ele não cumpre o compromisso de lançar minha candidatura à prefeitura de Afonso Cláudio. A história começa com ele pressionando o meu pai para que eu fosse candidato a vereador pelo PSD. Só aceitei porque meu pai precisava receber uma estrada que construiu e eles só pagariam se eu ou Pedro fosse candidato a vereador pelo PSD. Isso foi no ano de 1948. Fui candidato, mas exigi o compromisso, no caso de ser bem votado, do partido me lançar na próxima eleição para a Prefeitura. Eles aceitaram. Da outra vez, porém, o Pedro Saleme disse que o candidato seria ele. Eu era muito jovem e esperaria para a próxima vez. Voltei a me candidatar a vereador e fui o mais votado do Município. Na próxima eleição, em 1953, eles apareceram com outro candidato. Aí, fui para a UDN que era realmente o partido que se identificava comigo, pois sempre havia sido oposicionista. Na UDN, também não consegui ser candidato a prefeito. O seu Diógenes Schwartz, presidente do partido, queria ser e foi. Eu acabei entrando numa lista para ser escolhido deputado estadual. E me elegi deputado.

E como foi essa eleição?
Totó - Foi tranquila. Nós fizemos a campanha de Chiquinho e ganhamos o Governo com ele. A gente só foi para o Chiquinho, porque o pessoal do PSD de Afonso Cláudio não deixou a gente da UDN conversar nem sequer com o candidato ao Governo do Estado PSD-UDN, que era Eurico Sales. E aí a gente passou para o Chiquinho.

Gostaria que o senhor contasse sobre a Captura Branca.
Totó - O negócio da Captura Branca foi o seguinte: por causa dos roubos dos animais, o delegado de Polícia, Ildo Fraga, o capitão Dudu, baixou uma portaria autorizando os colonos a se armarem para enfrentar os ladrões de cavalo. O prefeito era o Pedro Saleme. Eu e minha família principalmente meu tio coronel Bimbim, tínhamos alergia a ladrões. E no município de Afonso Cláudio existiam 40 e tantos ladrões profissionais. Roubavam animais de cela e gado também. Como vereador, sempre muito atrevido, comecei a denunciá-los e a exigir providências. Criei atritos e surgiram muitos problemas comigo. Mas eu tinha o apoio do Pedro Saleme. Exigimos do Governo Estadual um delegado para combater os ladrões. O Governo mandou o capitão Dudu, que era muito mais ladrão do que os próprios ladrões.
Começou a chamá-los, dizendo: "Eu tenho uma lista aqui, para eliminar vocês, mas se me derem uma importância em dinheiro, eu tiro seus nomes. E começou a tomar dinheiro deles. Aí. Exigimos dele a portaria, autorizando os colonos a se armarem e tivemos um desentendimento com o Dudu. Ficamos, portanto, contra os ladrões e contra a Polícia também.

Os ladrões também eram bravos?
Totó - Tudo gente ruim, assassinos. Grupos perigosíssimos. Diante disso, eu e Pedro Saleme reunimos os vereadores e os chefes políticos e chegamos à conclusão de que a única maneira de combatê-los era criar um grupo para eliminá-los. Fomos `a fazenda do coronel Bimbim, em Minas Gerais, a 40 quilômetros de Afonso Cláudio. Fomos eu, Pedro Saleme, João Duarte Manso e Tão Gastão, o prefeito e três vereadores. Naquela época, tínhamos toda a cobertura do governador do Estado, que era Jones dos Santos Neves. Ele estava danado com a situação de Afonso Cláudio, porque mandou para lá oito vacinadores, com oito mulas, e elas foram roubadas. Voltaram somente com os arreios dos animais. Bom, fomos à fazenda do tio Bimbim e expusemos a situação a ele. Pedimos ajuda, pois as nossas vidas - a minha e a de Pedro Saleme - estavam correndo perigo. Tínhamos sido jurados de morte pelos ladrões e a Polícia estava, também, contra nós. Bimbim indagou: "Qual é a ajuda que vocês estão querendo?". Pedro Saleme disse: "Nós queremos que você mande eliminar esses ladrões". Bimbim, que tinha alergia a ladrões, não teve dúvida: mandou os pistoleiros de Alto Capim, região mineira onde Bimbim tinha a sua fazenda acabar com eles. A missão teve o nome de Captura Branca.

Eles eliminaram todos os ladrões?
Totó - Eliminaram vários outros fugiram. Por causa desses crimes, fui preso em 1967 pelo irmão do governador Christiano Dias Lopes Filho. Respondi por eles.

Totó, deixa o episódio da prisão para depois. Lembra dos pistoleiros que acabaram com os ladrões de cavalos? Quem eram eles?
Totó - Abílio Lima, Elpídio Martins e Josias Siqueira eram os principais. Mas Abílio era o cabeça do grupo.

Na época houve processo?
Totó - Não. A ordem era do Governo, por que processo? Além disso, essa limpeza foi em benefício da própria sociedade.

Por que vocês se socorreram ao coronel Bimbim? Ele já estava acostumado a matar?
Totó - O tio Bimbim tinha alergia a ladrão. Desde menino que todo mundo sabia que ele não dava folga a ladrão. Pedimos ajuda por causa disso e também porque ele era irmão de maçonaria de Pedro Saleme. Era também o único, na época, que tinha homens para esse serviço.

Totó, o seu relacionamento com Bimbim era muito antigo?
Totó - Desde que nasci, praticamente. Sempre fui muito amigo dele. Nas horas difíceis dele, estive sempre ao seu lado. Ele também teve horas difíceis. Nas minhas, ele nunca me deixou só. Ele me incentivava muito na política. E me ajudava muito na política também.

Que tipo de ajuda?
Totó - Ele tinha muitos amigos no Espírito Santo, principalmente em Afonso Cláudio. Saleme disse outro dia, no jornal, que Bimbim tinha os bandidos e eu me prevalecia de seus bandidos. Meu tio não tinha bandido, mas amigos. Era um homem que fazia favores a muita gente. Por isso, eu me beneficiava das suas amizades, no Espírito Santo. Ele viajava comigo nas minhas campanhas políticas.

Vamos voltar a sua briga com Pedro Saleme. Ela beneficiou politicamente vocês dois.
Totó - É verdade. A coisa ficou mais feia a partir de 1958, quando Carlos Lindenberg voltou ao Governo do Estado. Entramos em atrito direto. Saleme não disse ao jornal que foi muitas vezes ameaçado de morte por mim? Confesso que é verdade. Agora, vou chegar lá para você compreender porque eu queria matar Pedro Saleme. Como eu sempre fui muito atrevido, escorei Carlos Lindenberg no Município na campanha eleitoral e depois seu Governo mandou para Afonso Cláudio o tenente Orlando Cavalcante para me eliminar...

Conta o incidente com Carlos Lindenberg?
Totó - Carlos Lindenberg, mais Pedro Saleme e o pessoal do PSD de Afonso Cláudio foram fazer um comício na minha região, São Domingos, e levaram consigo mais de 50 homens com metralhadoras e armas de grosso calibre. Achei um desaforo aquele aparato todo e cerquei na estrada. Disse alguns desaforos, mas o Carlos Lindenberg reagiu. Depois disso, minha cabeça foi colocada a prêmio pelo seu Governo.

Como foi esse diálogo?
Totó - Vamos encerrar esse assunto, pois tem coisa que eu não quero dizer. Carlos Lindenberg assumiu o Governo e mandou Orlando Cavalcante lá para Afonso Cláudio. Ele pegou logo o Henrique Kerf (atual vice-prefeito de Afonso Cláudio), que era meu companheiro, para matar. Sequestrou o Kerf, levando-o para o Estado do Rio. Ele e o capitão Joubert Costa. Quando eles estavam levando o Kerf para o Estado do Rio, reuni a Assembléia Legislativa e fiz um movimento muito grande para evitar essa morte. Aí, o Carlos Lindenberg mandou o delegado de Cachoeiro de Itapemirim, capitão Higino Bernardes, vir para a estrada cercar os dois capitães com o Kerf. Higino conseguiu que os dois devolvessem Kerf a Afonso Cláudio, mas Orlando obrigou-o a confessar um crime que não havia praticado. Ele foi acusado da morte de Carlos Martelo. Roubaram tudo o que o Kerf tinha: relógio, revólver, dinheiro...

E como acabou esse caso?
Totó - Eu vim para Vitória e denunciei o caso da tribuna da Assembléia Legislativa. Quando eu estava discursando, entraram na Assembléia Orlando Cavalcante e Joubert. Ficaram na minha frente. Chegou perto de mim o Vicente Silveira, que é um espírito de porco muito grande, e disse: "E agora?" Agora - respondi - vai a ladainha de corpo presente. Denunciei os dois e disse que o lugar deles era na cadeia. Fiz a denúncia na presença deles. Eles ficaram quietos, mas na mesma hora disseram ao Ivan, advogado em Alegre, que estava com eles, que iriam me matar de qualquer maneira. A briga, que era com Pedro Saleme, na época da Prefeitura, passou a ser também com Orlando Cavalcante, que mandou para Afonso Cláudio dois pistoleiros terríveis, Raimundo Vitorino e Deuclides de tal. A essa altura, Orlando contava com a cobertura total do Pedro Saleme e do Governo do Estado. Em 28 de novembro de 1960...

Quer dizer que o Pedro Saleme não tinha pistoleiros?
Totó - tinha. Só que os pistoleiros dele eram militares, os meus eram civis.

Eram os pistoleiros do Bimbim?
Totó - Vinham do Bimbim. Por causa dessa briga, eu tirei licença na Assembléia Legislativa e transferi o meu domicílio para Alto do Capim, em Minas Gerais, região do Coronel Bimbim, e realmente lá eu chefiei um grupo de pistoleiros. Era para me defender, senão eu seria assassinado pelos pistoleiros de Pedro Saleme. Tinha uns 20 homens comigo. Nessa época, é que eu mandei um pessoal de lá matar o Pedro Saleme. Tem uma coisa até pitoresca nesse negócio da morte do Pedro. É que eu mandava os pistoleiros lá de Minas para a fazenda do Sebastião Alves de Lima, o Schel. Eles vinham, ficavam um bom tempo, mas não liquidavam o Pedro Saleme. Um pistoleiro chegou a ficar dois meses lá, pertinho do Pedro Saleme, e não realizou o crime. Sabem quem avisava o Pedro? O próprio Schel, que guardava meus pistoleiros, ia na casa do Pedro Saleme avisá-lo. Dizia: "Você se cuida, não sai por aí não, que a situação está preta". Quando os pistoleiros voltavam para Alto Capim, ele dizia pro Saleme: "Pode sair que o campo está livre". Veja que situação: o meu companheiro que guardava os meus pistoleiros era quem protegia o inimigo. E eu feito um bobo só mandando pessoal para lá. Eu mandei para me defender. Não tinha solução: era ele ou eu.

No meio dessa briga toda, como ficaram os seus companheiros políticos?
Totó - Eram perseguidos. Foram espancados e até mortos. Mataram José Rosa, companheiro meu de Brejetuba. Nessa época, o Orlando deve Ter prendido uns 50 companheiros meus. Desarmou todo mundo da UDN. Só era permitido usar revólver a quem era do PSD. Quando corri para Minas Gerais, eles também foram para lá. Tem um caso engraçado: ameaçaram um companheiro nosso de prisão, se ele não entregasse o seu revólver. Como ele não tinha arma, foi obrigado a comprar uma de elemento do PSD para entregar à Polícia. O general Parente Frota, que era deputado estadual e estava numa CPI que apurava esses fatos, perguntou a ele: "Por que revólver do PSD?" O companheiro respondeu: "Porque os da UDN já estavam todos tomados".

Orlando só cometeu esse crime?
Totó - E os tiros que eu tomei?

Como foi?
Totó - Eu estava no bar do Alcides Soares, quando o soldado Raimundo Vitorino, me deu três tiros pelas costas.

Mas o senhor estava desprevenido?
Totó - Não estava desprevenido, mas os tiros foram pelas costas. Eu estava conversando com o João Valim, que foi ex-prefeito também de Afonso Cláudio, e outras pessoas. Eu não morri porque o pistoleiro, quando chegou pelas minhas costas, esbarrou numa cadeira. Pressenti e pulei para o lado. Ele me alvejou ainda no ar. Nesse dia, não tinha levado nenhum pistoleiro comigo. Na hora em que ele começou a atira, gritou: "Vai morrer, bandido". Eu só tive tempo de me jogar no chão e não pude sacar do revólver. No chão eu rolei e saí com o revólver na mão. Ele se retirou rápido e duas pessoas também foram atingidas. Eu levei três tiros.

Depois desses tiros, o que fez com Pedro Saleme?
Totó - O Pedro Saleme veio a Vitória e procurou o governador Carlos Lindenberg e o secretário de Interior e Justiça, que era o general Darcy Pacheco de Queiroz. Pediu pacificassem Afonso Cláudio. Trouxe na sua companhia os principais líderes do PSD de Afonso Cláudio. Logo depois, foi ao encontro do tenente José Scárdua, muito amigo do meu tio Bimbim e do secretário Darcy Pacheco. Ele levou o convite para eu me reunir com o pessoal do PSD, na presença do governador Carlos Lindenberg. Não aceitei. Voltou e fizeram a reunião com o PSD de Afonso Cláudio, mas o Carlos Lindenberg insistiu, mandou o tenente de volta a Alto Capim para explicar ao coronel Bimbim que a situação era muito grave, pois ia continuar morrendo gente de um lado e do outro. E o meu tio, depois de conversar com Scárdua, ponderou que eu deveria aceitar e ir ao encontro. Atendi, não com medo de morrer, mas levando em consideração, como me lembrou Bimbim, que havia 20 e tantas famílias fugidas de Afonso Cláudio sem qualquer crime. O único crime era o de serem meus companheiros políticos. Disse a José Scárdua que eu aceitava a reunião desde que houvesse garantia de volta a Afonso Cláudio de meus companheiros.

E o senhor foi à reunião?
Totó - Fomos à reunião. Eu, com o pessoal da UDN de Afonso Cláudio, e Pedro Saleme, com o PSD. Lá, eu fiz as minhas exigências: a retirada do Orlando Cavalcante e o retorno de meus companheiros ao Município, para continuar a vida deles normal na agricultura. Pedro Saleme aceitava a volta deles, menos dos que tinham processo no Município. Havia uns que eram realmente responsáveis por crimes. Aí, concordei. Isso foi uma hora muito feliz para Afonso Cláudio. Lembro, ainda hoje, a declaração de Carlos Lindenberg: "Esse foi um grande dia do meu Governo, pacificar Afonso Cláudio. "Demos a mão eu e Pedro Saleme e sobrevivemos. Se a briga continuasse, hoje um de nós não estaria vivo.

Essa pacificação ocorreu em 1961.Como foi a eleição seguinte?
Totó - Correu tudo bem. Eu me reelegi deputado estadual pela UDN e Pedro Saleme tornou-se deputado estadual pelo PSD. Nessa eleição, Bimbim fez a minha campanha toda e eu cumpri o acordo com Carlos Lindenberg, pois de 63 em diante eu era Governo (Chiquinho foi eleito). Apesar de Ter o corpo todo furado de bala, não houve mais um crime político em Afonso Cláudio. O Pedro Saleme falou no jornal (referência a uma entrevista dele em A Gazeta) que usava dois revólveres.

E daí?
Totó - Ele disse que usava dois revólveres e atirava com precisão. Nunca usei dois revólveres sempre usei um só. Agora, nunca corri da briga. Já Pedro Saleme levou uma carreira minha muito grande em São Domingos. Acho, que naquela época, ele deve Ter tido muita dificuldade para correr com dois revólveres.

Já que você contou o caso da corrida de Pedro Saleme, fala como foi que impediu o comício de Carlos Lindenberg, também em São Domingos, que está mal contado lá atrás. Totó - Aquela briga não houve. O Carlos Lindenberg foi com uns 100 militares: tinha até gente do Exército, para fazer o comício. Dessa eu corri, mas não os deixei realizar o comício, pois na minha região quem fazia comício era só a UDN. Eu fui ao comício - onde tinha muita gente - subi no palanque antes de eles chegarem e disse para o público: nós vamos fazer uma festa mais bonita aqui. Carlos Lindenberg já está em Afonso Cláudio e, daqui a pouco, chega aqui, com os seus pistoleiros. Meu tio Bimbim está chegando com uns 50 pistoleiros. Vai ser um comício lindo, na base da carabina e da metralhadora. Quando Carlos chegou, não havia ninguém para assistir ao comício dele. Cumpri a minha promessa de que ele não realizaria esse comício. Na saída, foi que encontrei com ele, e trocamos palavras duras.

Entrevista com o rival Pedro Saleme.

Rogério -No caso da "Captura Branca", onde o senhor estava?
Saleme - Eu era deputado estadual e o Totó, vereador.

O senhor concordou com a "Captura Branca"?
Saleme - Eu não concordei e nem a instituí. Não me lembro bem como foi feito. O certo é que o tio do Totó, o coronel Bimbim, tinha ojeriza a ladrão de cavalo. Totó tomou a frente do combate aos ladrões de cavalo em Afonso Cláudio e liquidou uma porção deles.

O senhor quer insinuar que a influência do Totó dependia do tio?
Saleme - A sua influência era realmente através do seu tio. Porém, Bimbim não era um bandido. Ele era fazendeiro em Alto Capim, no município de Aimorés, Minas Gerais, mas sempre dispôs de jagunços. Irradiava sua influência até Afonso Cláudio. Existia um distrito em Afonso Cláudio, na divisa com Minas, onde não ia Polícia. Quem decidia as coisas era o Bimbim, como fazia na sua terra. Ele chegou a ser prefeito em Aimorés.

Vamos adiantar a conversa. O Totó rompeu com o senhor porque queria ser candidato a prefeito e o senhor não honrou o compromisso que tinha com ele. Isso é correto?
Saleme - Ele queria ser candidato a prefeito, mas o grupo de que eu participava não concordava com isso. Existia um outro da preferência do grupo. Eu nunca tive compromisso com ele. E se Totó, que não era muito confiável do PSD, fosse candidato a prefeito, a gente estava arriscado a perder. Ele se aborreceu porque não foi candidato a prefeito e saiu do PSD. Foi para a UDN, candidatou-se a deputado e ganhou. Eu não tinha nenhum compromisso com ele, torno a falar. Ele solicitou realmente, mas nós não fizemos.

Como foi o comício em que o Totó não quis deixar o Carlos Lindenberg falar?
Saleme - Naquela oportunidade, até o general Parente Frota foi fardado. Foi um grupo muito grande com Carlos Lindenberg. Mas antes disso houve um caso feio. Fomos lá fazer um comício e lançar o Lilito como candidato a vereador pelo PSD. Nesse dia, saímos realmente corridos. Nós chegamos ao local e, como fazíamos habitualmente, fomos à Igreja. Levamos conosco todo o pessoal do PSD da sede, inclusive o Nilo Costa, que o Coronel Bimbim - que estava próximo da igreja - queria que engolisse um artigo que saiu em A Gazeta, Bimbim estava entrincheirado lá embaixo, de Gazeta na mão. Quando soubemos da presença deles e da sua intenção, deu um frio na minha espinha e no resto do pessoal.

E como vocês se saíram da situação?
Saleme - Quando saímos da igreja, vimos a turma toda lá embaixo: Totó, Bimbim, José Scárdua, João Valim e outros. Eram umas 50 pessoas, todas armadas até os dentes. Eles tinham até metralhadora. Como não havia outra saída da igreja, resolvemos passar por lá. O diálogo foi violento. Ouvimos muito desaforo. O jornal ofendia o Bimbim e ele atribuía a autoria da notícia ao Nilo Costa. Mas não tinha sido o Nilo. O Bimbim ouviu a sua explicação e não se convenceu. Depois, fomos almoçar. De lá é que saímos corridos. O José Scárdua e o Totó atirando atrás. Mas chegamos sãos e salvos a casa. Realmente fomos, corridos e não fizemos o comício. O Lilito, coitado atravessou uma mata e chegou a casa praticamente a pé.

E a situação do Carlos Lindenberg?
Saleme - Não fizemos o comício, porque o Totó tinha dispensado o público. Aí, o Carlos disse uns desaforos ao Totó.

O senhor se deu bem com o Bimbim?
Saleme - O tio do Totó era meu irmão de maçonaria. Embora o Bimbim tivesse essa coisa de pistoleiro, no fundo ele era um homem bom. Ele criava crianças desprotegidas, era contra ladrão de cavalo porque achava que o ladrão de cavalo prejudicava o homem trabalhador. Por que ele se transformou nesse homem é uma história diferente. Dizem que o Bimbim começou a agir assim depois que foi assaltado por ladrões, quando viajava a Santa Leopoldina. Nesse dia, ele matou os seus assaltantes e jurou os ladrões desse mundo. Daí a sua ojeriza a ladrões. Isso foi muito antes.

A coisa ficou preta quando o senhor foi para a Prefeitura e o Orlando Cavalcante para a Delegacia de Polícia.
Saleme - Mas nunca houve propósito meu de mandar matar o Totó. Ele, nessa época, foi acertado num bar e atribuiu esse crime a mim. Mas não ocorreu por minha responsabilidade...

Mas o Totó diz que o Orlando chegou com essa missão. Tanto que ele tomou os revólveres do pessoal da UDN.
Saleme - Isso pode Ter acontecido. Mas nós tivemos que dar jeito no Orlando, porque passou a ser inconveniente para a nossa política.

Ele bateu muito?
Saleme - Isso ocorreu. Mas eram coisas dele só.

Enquanto o senhor nega que mandou matar o Totó ele não faz segredo que mandou matá-lo. Só que os seus pistoleiros eram controlados pelo Schel, que lhe avisava.
Saleme (rindo) - Realmente, o Schel não dizia que tinha gente atrás de mim nem onde eles estavam. Passavam por mim e dizia: "Se cuida, Pedro". E os pistoleiros não me encontravam. Por isso, não deu certo a minha morte. Schel pertencia à UDN, mas era meu amigo.

E aí o atentado contra Totó.
Saleme - Ele achou que fui eu e, depois, andou pensando que tivesse sido também o José Luiz Cláudio Correia. Mas isso que você disse agora é muito importante. É a confissão de Totó de que realmente queria me matar e mandou me matar. Isso mostra que eu não tinha nenhum pistoleiro.

O Totó garante que os seus pistoleiros eram militares.
Saleme - Era a força do Governo, não minha. E nós tivemos que tirar o Orlando, porque ele estava incoveniente demais, embora nunca possa negar a qualidade de amizade dele. Eu lhe devo muitas atenções, mas Orlando fez muitas coisas que eu seria incapaz de pensar quanto mais mandar fazer. Agia, arbitrariamente, achando que aquilo era feito em meu benefício.

Quando soube da tentativa de assassinato do Totó, qual foi a sua reação?
Saleme - Nós tentamos tirar o Orlando da Delegacia, mas era difícil afastá-lo bruscamente. A minha proteção também estava em jogo. A coisa ficou mais fácil quando o Carlos Lindenberg promoveu o meu encontro com o Totó no Palácio. Essa iniciativa partiu do general Darcy Pacheco de Queiroz, que era secretário de Interior e Justiça. Darcy era muito meu amigo e estava preocupado com a situação. Foi ele quem efetivamente planejou o nosso encontro no Palácio. E o tenente José Scárdua, que era ligado ao Darcy e também ao coronel Bimbim, foi incumbido da missão de convencer o Totó a vir ao encontro. Ele veio, fizemos um acordo, que só vigorou naquele momento.

Como?
Saleme - A situação continuou a mesma; tiramos o Orlando, que agia por conta própria, mas os seus atos eram atribuídos a mim. A coisa melhorou realmente quando deixamos Lourival Mendonça no lugar de Orlando.

A convivência com Totó se normalizou?
Saleme - Só aparentemente. Na Assembléia Legislativa, onde viemos a ser deputados juntos, discutíamos muito. Certa vez, quando o Dirceu Cardoso, que também era deputado estadual, estava discursando e nós o aparteávamos, houve um incidente entre nós, mas os demais deputados acabaram com a confusão. Eu sempre enfrentei Totó; toda a minha vida foi assim.

Quando o Totó era Governo - o que ocorreu nas duas vezes em que Chiquinho se elegeu - ele também botava a Polícia para perseguí-lo?
Saleme - Botava os delegados da sua confiança. Mas ele não movia perseguição contra os meus companheiros. Agia em favor dos seus interesses políticos, é claro. Mas nessas ocasiões ocorreram mortes de pessoas amigas minhas cujas razões a gente não sabia. O Renato Barros, de Sobreiro, por exemplo, era tabelião lá, meu companheiro político. Morreu estupidamente. E os criminosos eram do lado do Totó.

Como eram os comícios?
Saleme - Eram sempre tensos. Houve um em frente à minha casa, na praça de Afonso Cláudio, que foi um pavor. Tínhamos que dar tempo ao comício para evitar que Francisco Costa, que era do lado deles, não matasse um de nós.

O senhor se dava bem com o tenente José Scárdua, apesar das ligações dele com o Totó?
Saleme - Muito bem e devo minha vida também a ele. Era ele quem atenuava a situação. E quando então Darcy Pacheco, que era o seu grande amigo, fazia qualquer recomendação a meu respeito, ele livrava a situação com o seu jeito especial. E assim a minha vida foi se prolongando(ele está vivo e com 90 anos de idade, enquanto o Totó já é morto há mais de 10 anos). Era como o Schel fazia também. Ele estava politicamente comprometido com o Totó, era da UDN, mas me livrava da morte. Livrava de uma forma que não o deixava também mal com os seus companheiros de partido, que queriam a minha caveira.

Qual foi sua sensação durante todo esse tempo na expectativa de ser assassinado? Sentiu medo?
Saleme - Eu nunca senti medo. Isso não quer dizer que eu não sentia medo por valentia. E sempre andei sozinho, mas prudentemente. Já o Totó sempre andou acompanhado. E a gente se encontrava em situações inevitáveis. Uma vez, tivemos um atrito na casa do Agenor Barros, o Nozinho, já falecido. Ele, que era nosso candidato a vereador, estava pressionando para Totó não ser candidato por nós. Nessa hora, também, estava junto conosco o dr. Álvaro Castelo. Aí, discutimos e ele me disse, em tom ameaçador, que tinha dois corações: um bom e um ruim. Eu pedi então que ele usasse um coração só: o bom. O Nozinho acabou sendo candidato pelo PSD e foi até eleito.

O senhor, nesse encontro, estava armado?
Saleme - Com dois revólveres, como sempre andava naquela época. Com os dois revólveres eu ia à Assembléia Legislativa, à Igreja, à maçonaria, a enterro, etc. Onde fosse tinha que andar armado. Minha proteção exigia. Era importante que os meus desafetos soubessem que eu estava armado, para mantê-los à distância. Eu, desarmado, naquele tempo, era um convite aos inimigos. Mas armado e sabendo atirar bem - eu treinava muito - era de fazer o inimigo pensar duas vezes antes de me atacar. Agora, eu prudentemente, não saía à noite e não ia a qualquer lugar.

Como entra o José Scárdua, homem que pertenceu ao mundo da violência, como pacificador nesse caso?
Saleme - Não é bem assim. O Scárdua era pistoleiro do Bimbim e policial capixaba. Ele gostava do Bimbim, devia favores a ele, mas nunca deixou de ser meu amigo, nem do general Darcy Pacheco de Queiroz. Ele também me prevenia quando a coisa estava feia para o meu lado. Mas dizia de um jeito discreto para não se comprometer com o Totó. O Scárdua também usava o expediente de dizer a outros amigos meus, que eram dele também, para me avisarem, sem haver necessidade de ele próprio me procurar. Dessa maneira, eu consegui ir vivendo. Se eu tinha que ir a determinado lugar sobre o qual havia sido prevenido, não ia. A noite, eu não chegava à janela.

Havia gente que ajudava a vigiar a situação?
Saleme - Toda vida tive parentes que zelaram por mim. O meu genro Darly do Valle me ajudava muito. Havia amigos que ajudavam também, todos sempre discretamente. No encontro em que o Bimbim queria fazer o Nilo Costa comer A Gazeta, quem me protegeu as costas foi o Darly. Nunca tive pistoleiro do meu lado, ou valentão escolhido. As pessoas me protegiam espontaneamente. Nos comícios, a vigilância era redobrada para ver se tinha alguém do outro lado infiltrado no público. E como eu iria me defender se não houvesse um grupo assim organizado? Não obstante tudo isso, cheguei a determinados lugares em que a minha vida correu risco.

Diga um caso?
Saleme - Certa vez, quando eu cheguei a Sobreiro, havia uma cavalaria armada desfilando pela rua. Eram os pistoleiros de Bimbim, todos armados e me afrontando. Quando vi aquilo, deixei o encontro político de lado e vim embora. Deixei o lugar por conta deles, pois afinal eu só tinha comigo dois companheiros e eles eram muitos. E olha que eu era prefeito em visita e era recebido assim.

E Totó andava sempre acompanhado?
Saleme - Na Assembléia, havia sempre dois pistoleiros vigiando sua vida. Mesmo assim, nunca tomei qualquer providência contra esses capangas que poderiam inclusive me acertar numa hora de discussão com ele. Totó dispunha de gente à vontade, por causa do apoio do tio. O que Totó ganhava gastava na sua proteção. A valentia do Totó estava ligada à valentia do tio. Ele dependia do tio.

Se o Bimbim era um homem que liquidava sempre seus inimigos, por que o senhor sobreviveu?
Saleme - Tenho informações do que ele disse na época: "Se vocês querem liquidar o Pedro Saleme, façam, mas eu não vou ajudar. Se vocês tiverem força, acertem ele. Se depender de mim isso não vai ocorrer". Por causa disso, também, eu durei. Ele ajudava Totó em outras coisas, menos nessa de me matar. Eu era ainda seu irmão de maçonaria. O José Scárdua também tinha interesse em que eu sobrevivesse, por causa do general Darcy Pacheco de Queiroz, e ajudava o Bimbim a ficar na sua neutralidade. A minha morte era somente do gosto de Totó. Sobre a atitude do Bimbim: se ele era meu irmão de maçonaria, não podia agir contra mim. Eu acho que ele aliviou minha vida porque era meu irmão de maçonaria. S e Bimbim estivesse realmente interessado na minha morte, eu não estaria vivo hoje.

O senhor então afirma que o Bimbim liquidou todas as pessoas que ele quis?
Saleme - Liquidou. E muitas por vontade do próprio Totó. Bimbim gostava do Totó. Era o sobrinho por quem tinha mais apreço. O Totó só foi o Totó por causa do apoio do tio.

Como os senhores estão hoje?
Saleme - Nós estamos hoje aposentados de tudo e já nos damos. Não somos mais inimigos, mas não temos muita condição de conversar. Todas as vezes em que tentamos, entramos em choque. Esquecemos os fatos, mas os ressentimentos ficaram....

Fonte: Medeiros, Rogério. Jornal A Tribuna. 1982. Disponível em: http://www.seculodiario.com/reportagens/index_toto01.htm

domingo, 11 de julho de 2010

Adeus, vovó Ladil


Faleceu no dia 17 de junho de 2010, Ladil Araujo Vargas, mais conhecida como Lady, aos 85 anos, em Niterói, RJ. Lady era bisavó de minhas filhas.

Lady nasceu em Itaipu, Niterói. Era filha de Epiphaneo José de Araujo e Mathildes Garcia. Foi casada com Heitor Fernandes Vargas, já falecido. Deixa dois filhos e vários netos e bisnetos.

Lady foi muito ativa e sempre ajudou o marido a tocar sua auto escola, a tradicional Auto Escola Vargas, em Niterói. Viveu uma vida de serviço ao próximo, dedicando-se à família e aqueles que necessitavam de ajuda.

Vovó Lady deixará muitas saudades, pois sua alma era boa e generosa.

domingo, 23 de maio de 2010

Adeus, tia Irene



No dia 10 de maio de 2010 os céus receberam em uma de suas várias mansões a Irene Braga Fontes, nascida em Afonso Cláudio e radicada em Governador Valadares, MG. Era filha de Benedito Rodrigues Fontes e Sebastiana Braga Lamas. Fora casada com Herminio de Souza Braga, já falecido, e era irmã de meu saudoso pai.

A seus filhos e descendentes que ficam, desejo força para suportar a saudade e o vazio que deixou e, coragem para trilhar o seu belo exemplo de vida, de mulher dedicada à família e às coisas de Deus.


Siga em paz...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Recenseamento de Proprietários Rurais de Afonso Cláudio - 1920

Recenseamento do Brazil

Realizado em 01 de setembro de 1920

Relação dos proprietários dos estabelecimentos ruraes recenseados no Município de Afonso Cláudio.

O Arquivo Público do Espírito Santo disponibilizou em formato pdf um recenseamento dos proprietários rurais do Estado no ano de 1920, o documento foi publicado pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio, Directoria Geral de Estatística.
A relação dos proprietários e das propriedades rurais dos municípios do Espírito Santo faz parte de uma publicação em volume único, de 01 de setembro de 1920, pela Directoria Geral de Estatística.
Naquela época os municípios de Brejetuba e Laranja da Terra faziam parte de Afonso Cláudio, logo, os proprietários destes lugares estão incluídos na relação.
Este material é uma boa fonte de pesquisa, pois cita o nome completo dos proprietários e o local onde suas propriedades estavam estabelecidas, o que facilita qualquer tipo de pesquisa que se queira fazer.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Afonso Cláudio - Terra onde Nasci




Eu e inúmeros antepassados nascemos neste Município capixaba.
Afonso Cláudio é um município situado a oeste do Estado do Espírito Santo, na Região Serrana, na divisa com o Estado de Minas Gerais.
Afonso Cláudio é a cidade mais influente da região, principalmente nas questões políticas.
A cidade foi fundada no finalzinho do século XIX, por imigrantes vindos, principalmente de Minas e Rio de Janeiro. Acredito que os vindo do Rio não necessariamente seriam fluminenses, apesar de muitos serem, mas também eram estrangeiros que desembarcavam na cidade do Rio e rumavam para o interior. Os Giestas, por exemplo, eram portugueses desembarcados no Rio que foram para Afonso Cláudio.
Logo depois vieram com presença marcante os imigrantes italianos e pomeranos. O município não fazia parte dos assentamentos oficiais, mas estes estrangeiros foram sendo levados para a região, depois de já estarem estabelecidos em outras regiões.
Abaixo segue o relato oficial da formação do território afonsoclaudense.
O primeiro explorador do território, que na época não levava o nome de Afonso Cláudio, segundo a tradição, foi o engenheiro Frederico Wilmer que teria descoberto ouro no lugar denominado "Lagoa Sêca", na fazenda Santo Antônio do Alto guandú, e no Atual distrito de Pontões, e que pertencia a Antônio de Souza Barros, conhecido por Barros Preto. Sabe-se que Frederico Wilmer contaíra febre amarela e, em consequência faleceu em Vitória no ano de 1851.
Algum tempo depois, um aventureiro de nome ignorado, vindo provavelmene de Minas Gerais, chegou a construir um rancho, no local que hoje é a Praça Adherbal Galvão, na sede municipal prosseguindo sua penetração, foi ter à casa de Antônio de Souza Barros, a quem conseguiu entusiasmar, com a descrição das terras férteis que percorrera.
Em 1876, Souza Barros foi até à cabeceiras do Rio Guandu, no atual distrito de Pontões, onde fixou residência.
Provavelmente, nesse mesmo ano, Jorge Guilherme Gomes, Inácio Gonçalves Lamas (meu trisavô paterno), José Manoel Ribeiro e outros, vindo de Minas Gerais, da Região da Zona da Mata, se estabeleceram às margens do Ribeirão Lagoa, no atual distrito de Serra Pelada, fazendo pequenas aberturas nas matas.
Em 1881, essas famílias mudaram-se para o lugar, mais tarde denominado "Arrependido" que distava cerca de 5 quilômetros da atual cidade. Iniciaram, aí, a construção de uma capela e um cemitério, auxiliados por Sabino Coimbra de Oliveira que, nessa época, já havia fixado residência, no lugar chamado "Grama".
Em 1885, notando que as águas do córrego já eram escassas, resolveram abandonar o local, que juntamente com o córrego passou a se chamar "Arrependido". Procurando um lugar mais apropriado para o início de uma povoação, vieram ter à margem direita do Rio Guandu, no ponto onde fica hoje a parte norte da cidade, de propriedade então de Eugênio Pereira da Silva, que recebera de José Garby o direito de posse.
Conta-se que a venda do terreno de José Garby para Eugênio Pereira da Silva foi condicionada à doação de parte dele à Igreja, para a iniciação do povoado.
De fato, nesse mesmo ano (1885), Eugênio Silva, Sabino Coimbra de Oliveira, Inácio Gonçalves Lamas, Jorge Guilherme Gomes e outros lançaram os fundamentos da
povoação idealizada, a quem deram o nome de São Sebastião do Alto Guandu de Cima. A escritura de doação, no entanto foi passada por Joaquim Ferreira Galvão, genro de Eugênio Silva. A localização do povoado, em relação ao Rio Guandu, era a 30 quilômetros da nascente e 96 da foz.
Em 1886, diversas famílias, entre as quais a de Joaquim Ferreira Galvão e a do coronel Ramiro de Barros Conceição, vieram estabelecer-se, no novo arraial. Ainda em 1886, a convite o povoado recebeu a visita pastoral do Bispo do Estado do Rio de Janeiro. Não havendo ainda igreja, construiu-se um rancho, coberto de folhas que serviu de templo provisório. A povoação progrediu rapidamene. Os primeiros caminhos que viriam incrementar seu desenvolvimento, ligando-a às cidades vizinhas, foram constuídos por Inácio Lamas, com o auxílio de indígenas.
Em 1888, a povoação tornou-se distrito. Já em 1890, a Povoação de São Sebastião do Alto Guandú de Cima elevada à categoria de vila e criado o município, com a denominação de Afonso Claúdio, em homenagem ao doutor Afonso Cláudio de Freitas Rosa, o primeiro Presidente do Estado, na República. (Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE, 1958, v.6)