quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Coronelismo Capixaba - Os Senhores de Afonso Cláudio

Totó e Pedro Saleme
O duelo que não houve


Senhoras e senhores, esse duelo poderia ter ocorrido em qualquer dia das últimas três décadas na hoje pacata Afonso Cláudio: de um lado, Sebastião Cipriano do Nascimento, o Totó, chefe político da UDN, deputado estadual durante 20 anos e sobrinho do famoso coronel Bimbim; do outro, Pedro Saleme, líder do todo-poderoso PSD, exímio atirador cuja fama mantinha os inimigos à distância e ex-deputado estadual. Durante todo o tempo que durou a rivalidade, Totó teve ao seu lado jagunços de Bimbim e Pedro não largou de seus dois revólveres. Mais de 30 anos após o início dessa inimizade, eles resolveram dizer o que pensam um do outro, mas em diferentes lugares, pois colocá-los juntos ainda é uma temeridade. Totó, próximo dos 70 anos, mora hoje num confortável apartamento na Praia do Suá, enquanto Pedro Saleme, com 75 anos, vive na bucólica cidade serrana de Campinho. Totó está melhor de vida: desfruta de uma aposentadoria do Tribunal de Contas e de outra da Assembléia Legislativa. Enquanto Pedro esqueceu suas mágoas, Totó ainda cultiva ódio ao ex-governador Christiano Dias Lopes Filho, que o mandou prender como autor de 28 mortes ocorridas durante o episódio conhecido como Captura Branca. Depois de ir a júri três vezes, ele ficou um ano e meio preso. As histórias dessa luta de políticos do Interior são revividas por suas principais personagens, num duelo verbal.

Rogério - Como começa a sua desavença com Pedro Saleme?
Totó - Ela começa quando ele não cumpre o compromisso de lançar minha candidatura à prefeitura de Afonso Cláudio. A história começa com ele pressionando o meu pai para que eu fosse candidato a vereador pelo PSD. Só aceitei porque meu pai precisava receber uma estrada que construiu e eles só pagariam se eu ou Pedro fosse candidato a vereador pelo PSD. Isso foi no ano de 1948. Fui candidato, mas exigi o compromisso, no caso de ser bem votado, do partido me lançar na próxima eleição para a Prefeitura. Eles aceitaram. Da outra vez, porém, o Pedro Saleme disse que o candidato seria ele. Eu era muito jovem e esperaria para a próxima vez. Voltei a me candidatar a vereador e fui o mais votado do Município. Na próxima eleição, em 1953, eles apareceram com outro candidato. Aí, fui para a UDN que era realmente o partido que se identificava comigo, pois sempre havia sido oposicionista. Na UDN, também não consegui ser candidato a prefeito. O seu Diógenes Schwartz, presidente do partido, queria ser e foi. Eu acabei entrando numa lista para ser escolhido deputado estadual. E me elegi deputado.

E como foi essa eleição?
Totó - Foi tranquila. Nós fizemos a campanha de Chiquinho e ganhamos o Governo com ele. A gente só foi para o Chiquinho, porque o pessoal do PSD de Afonso Cláudio não deixou a gente da UDN conversar nem sequer com o candidato ao Governo do Estado PSD-UDN, que era Eurico Sales. E aí a gente passou para o Chiquinho.

Gostaria que o senhor contasse sobre a Captura Branca.
Totó - O negócio da Captura Branca foi o seguinte: por causa dos roubos dos animais, o delegado de Polícia, Ildo Fraga, o capitão Dudu, baixou uma portaria autorizando os colonos a se armarem para enfrentar os ladrões de cavalo. O prefeito era o Pedro Saleme. Eu e minha família principalmente meu tio coronel Bimbim, tínhamos alergia a ladrões. E no município de Afonso Cláudio existiam 40 e tantos ladrões profissionais. Roubavam animais de cela e gado também. Como vereador, sempre muito atrevido, comecei a denunciá-los e a exigir providências. Criei atritos e surgiram muitos problemas comigo. Mas eu tinha o apoio do Pedro Saleme. Exigimos do Governo Estadual um delegado para combater os ladrões. O Governo mandou o capitão Dudu, que era muito mais ladrão do que os próprios ladrões.
Começou a chamá-los, dizendo: "Eu tenho uma lista aqui, para eliminar vocês, mas se me derem uma importância em dinheiro, eu tiro seus nomes. E começou a tomar dinheiro deles. Aí. Exigimos dele a portaria, autorizando os colonos a se armarem e tivemos um desentendimento com o Dudu. Ficamos, portanto, contra os ladrões e contra a Polícia também.

Os ladrões também eram bravos?
Totó - Tudo gente ruim, assassinos. Grupos perigosíssimos. Diante disso, eu e Pedro Saleme reunimos os vereadores e os chefes políticos e chegamos à conclusão de que a única maneira de combatê-los era criar um grupo para eliminá-los. Fomos `a fazenda do coronel Bimbim, em Minas Gerais, a 40 quilômetros de Afonso Cláudio. Fomos eu, Pedro Saleme, João Duarte Manso e Tão Gastão, o prefeito e três vereadores. Naquela época, tínhamos toda a cobertura do governador do Estado, que era Jones dos Santos Neves. Ele estava danado com a situação de Afonso Cláudio, porque mandou para lá oito vacinadores, com oito mulas, e elas foram roubadas. Voltaram somente com os arreios dos animais. Bom, fomos à fazenda do tio Bimbim e expusemos a situação a ele. Pedimos ajuda, pois as nossas vidas - a minha e a de Pedro Saleme - estavam correndo perigo. Tínhamos sido jurados de morte pelos ladrões e a Polícia estava, também, contra nós. Bimbim indagou: "Qual é a ajuda que vocês estão querendo?". Pedro Saleme disse: "Nós queremos que você mande eliminar esses ladrões". Bimbim, que tinha alergia a ladrões, não teve dúvida: mandou os pistoleiros de Alto Capim, região mineira onde Bimbim tinha a sua fazenda acabar com eles. A missão teve o nome de Captura Branca.

Eles eliminaram todos os ladrões?
Totó - Eliminaram vários outros fugiram. Por causa desses crimes, fui preso em 1967 pelo irmão do governador Christiano Dias Lopes Filho. Respondi por eles.

Totó, deixa o episódio da prisão para depois. Lembra dos pistoleiros que acabaram com os ladrões de cavalos? Quem eram eles?
Totó - Abílio Lima, Elpídio Martins e Josias Siqueira eram os principais. Mas Abílio era o cabeça do grupo.

Na época houve processo?
Totó - Não. A ordem era do Governo, por que processo? Além disso, essa limpeza foi em benefício da própria sociedade.

Por que vocês se socorreram ao coronel Bimbim? Ele já estava acostumado a matar?
Totó - O tio Bimbim tinha alergia a ladrão. Desde menino que todo mundo sabia que ele não dava folga a ladrão. Pedimos ajuda por causa disso e também porque ele era irmão de maçonaria de Pedro Saleme. Era também o único, na época, que tinha homens para esse serviço.

Totó, o seu relacionamento com Bimbim era muito antigo?
Totó - Desde que nasci, praticamente. Sempre fui muito amigo dele. Nas horas difíceis dele, estive sempre ao seu lado. Ele também teve horas difíceis. Nas minhas, ele nunca me deixou só. Ele me incentivava muito na política. E me ajudava muito na política também.

Que tipo de ajuda?
Totó - Ele tinha muitos amigos no Espírito Santo, principalmente em Afonso Cláudio. Saleme disse outro dia, no jornal, que Bimbim tinha os bandidos e eu me prevalecia de seus bandidos. Meu tio não tinha bandido, mas amigos. Era um homem que fazia favores a muita gente. Por isso, eu me beneficiava das suas amizades, no Espírito Santo. Ele viajava comigo nas minhas campanhas políticas.

Vamos voltar a sua briga com Pedro Saleme. Ela beneficiou politicamente vocês dois.
Totó - É verdade. A coisa ficou mais feia a partir de 1958, quando Carlos Lindenberg voltou ao Governo do Estado. Entramos em atrito direto. Saleme não disse ao jornal que foi muitas vezes ameaçado de morte por mim? Confesso que é verdade. Agora, vou chegar lá para você compreender porque eu queria matar Pedro Saleme. Como eu sempre fui muito atrevido, escorei Carlos Lindenberg no Município na campanha eleitoral e depois seu Governo mandou para Afonso Cláudio o tenente Orlando Cavalcante para me eliminar...

Conta o incidente com Carlos Lindenberg?
Totó - Carlos Lindenberg, mais Pedro Saleme e o pessoal do PSD de Afonso Cláudio foram fazer um comício na minha região, São Domingos, e levaram consigo mais de 50 homens com metralhadoras e armas de grosso calibre. Achei um desaforo aquele aparato todo e cerquei na estrada. Disse alguns desaforos, mas o Carlos Lindenberg reagiu. Depois disso, minha cabeça foi colocada a prêmio pelo seu Governo.

Como foi esse diálogo?
Totó - Vamos encerrar esse assunto, pois tem coisa que eu não quero dizer. Carlos Lindenberg assumiu o Governo e mandou Orlando Cavalcante lá para Afonso Cláudio. Ele pegou logo o Henrique Kerf (atual vice-prefeito de Afonso Cláudio), que era meu companheiro, para matar. Sequestrou o Kerf, levando-o para o Estado do Rio. Ele e o capitão Joubert Costa. Quando eles estavam levando o Kerf para o Estado do Rio, reuni a Assembléia Legislativa e fiz um movimento muito grande para evitar essa morte. Aí, o Carlos Lindenberg mandou o delegado de Cachoeiro de Itapemirim, capitão Higino Bernardes, vir para a estrada cercar os dois capitães com o Kerf. Higino conseguiu que os dois devolvessem Kerf a Afonso Cláudio, mas Orlando obrigou-o a confessar um crime que não havia praticado. Ele foi acusado da morte de Carlos Martelo. Roubaram tudo o que o Kerf tinha: relógio, revólver, dinheiro...

E como acabou esse caso?
Totó - Eu vim para Vitória e denunciei o caso da tribuna da Assembléia Legislativa. Quando eu estava discursando, entraram na Assembléia Orlando Cavalcante e Joubert. Ficaram na minha frente. Chegou perto de mim o Vicente Silveira, que é um espírito de porco muito grande, e disse: "E agora?" Agora - respondi - vai a ladainha de corpo presente. Denunciei os dois e disse que o lugar deles era na cadeia. Fiz a denúncia na presença deles. Eles ficaram quietos, mas na mesma hora disseram ao Ivan, advogado em Alegre, que estava com eles, que iriam me matar de qualquer maneira. A briga, que era com Pedro Saleme, na época da Prefeitura, passou a ser também com Orlando Cavalcante, que mandou para Afonso Cláudio dois pistoleiros terríveis, Raimundo Vitorino e Deuclides de tal. A essa altura, Orlando contava com a cobertura total do Pedro Saleme e do Governo do Estado. Em 28 de novembro de 1960...

Quer dizer que o Pedro Saleme não tinha pistoleiros?
Totó - tinha. Só que os pistoleiros dele eram militares, os meus eram civis.

Eram os pistoleiros do Bimbim?
Totó - Vinham do Bimbim. Por causa dessa briga, eu tirei licença na Assembléia Legislativa e transferi o meu domicílio para Alto do Capim, em Minas Gerais, região do Coronel Bimbim, e realmente lá eu chefiei um grupo de pistoleiros. Era para me defender, senão eu seria assassinado pelos pistoleiros de Pedro Saleme. Tinha uns 20 homens comigo. Nessa época, é que eu mandei um pessoal de lá matar o Pedro Saleme. Tem uma coisa até pitoresca nesse negócio da morte do Pedro. É que eu mandava os pistoleiros lá de Minas para a fazenda do Sebastião Alves de Lima, o Schel. Eles vinham, ficavam um bom tempo, mas não liquidavam o Pedro Saleme. Um pistoleiro chegou a ficar dois meses lá, pertinho do Pedro Saleme, e não realizou o crime. Sabem quem avisava o Pedro? O próprio Schel, que guardava meus pistoleiros, ia na casa do Pedro Saleme avisá-lo. Dizia: "Você se cuida, não sai por aí não, que a situação está preta". Quando os pistoleiros voltavam para Alto Capim, ele dizia pro Saleme: "Pode sair que o campo está livre". Veja que situação: o meu companheiro que guardava os meus pistoleiros era quem protegia o inimigo. E eu feito um bobo só mandando pessoal para lá. Eu mandei para me defender. Não tinha solução: era ele ou eu.

No meio dessa briga toda, como ficaram os seus companheiros políticos?
Totó - Eram perseguidos. Foram espancados e até mortos. Mataram José Rosa, companheiro meu de Brejetuba. Nessa época, o Orlando deve Ter prendido uns 50 companheiros meus. Desarmou todo mundo da UDN. Só era permitido usar revólver a quem era do PSD. Quando corri para Minas Gerais, eles também foram para lá. Tem um caso engraçado: ameaçaram um companheiro nosso de prisão, se ele não entregasse o seu revólver. Como ele não tinha arma, foi obrigado a comprar uma de elemento do PSD para entregar à Polícia. O general Parente Frota, que era deputado estadual e estava numa CPI que apurava esses fatos, perguntou a ele: "Por que revólver do PSD?" O companheiro respondeu: "Porque os da UDN já estavam todos tomados".

Orlando só cometeu esse crime?
Totó - E os tiros que eu tomei?

Como foi?
Totó - Eu estava no bar do Alcides Soares, quando o soldado Raimundo Vitorino, me deu três tiros pelas costas.

Mas o senhor estava desprevenido?
Totó - Não estava desprevenido, mas os tiros foram pelas costas. Eu estava conversando com o João Valim, que foi ex-prefeito também de Afonso Cláudio, e outras pessoas. Eu não morri porque o pistoleiro, quando chegou pelas minhas costas, esbarrou numa cadeira. Pressenti e pulei para o lado. Ele me alvejou ainda no ar. Nesse dia, não tinha levado nenhum pistoleiro comigo. Na hora em que ele começou a atira, gritou: "Vai morrer, bandido". Eu só tive tempo de me jogar no chão e não pude sacar do revólver. No chão eu rolei e saí com o revólver na mão. Ele se retirou rápido e duas pessoas também foram atingidas. Eu levei três tiros.

Depois desses tiros, o que fez com Pedro Saleme?
Totó - O Pedro Saleme veio a Vitória e procurou o governador Carlos Lindenberg e o secretário de Interior e Justiça, que era o general Darcy Pacheco de Queiroz. Pediu pacificassem Afonso Cláudio. Trouxe na sua companhia os principais líderes do PSD de Afonso Cláudio. Logo depois, foi ao encontro do tenente José Scárdua, muito amigo do meu tio Bimbim e do secretário Darcy Pacheco. Ele levou o convite para eu me reunir com o pessoal do PSD, na presença do governador Carlos Lindenberg. Não aceitei. Voltou e fizeram a reunião com o PSD de Afonso Cláudio, mas o Carlos Lindenberg insistiu, mandou o tenente de volta a Alto Capim para explicar ao coronel Bimbim que a situação era muito grave, pois ia continuar morrendo gente de um lado e do outro. E o meu tio, depois de conversar com Scárdua, ponderou que eu deveria aceitar e ir ao encontro. Atendi, não com medo de morrer, mas levando em consideração, como me lembrou Bimbim, que havia 20 e tantas famílias fugidas de Afonso Cláudio sem qualquer crime. O único crime era o de serem meus companheiros políticos. Disse a José Scárdua que eu aceitava a reunião desde que houvesse garantia de volta a Afonso Cláudio de meus companheiros.

E o senhor foi à reunião?
Totó - Fomos à reunião. Eu, com o pessoal da UDN de Afonso Cláudio, e Pedro Saleme, com o PSD. Lá, eu fiz as minhas exigências: a retirada do Orlando Cavalcante e o retorno de meus companheiros ao Município, para continuar a vida deles normal na agricultura. Pedro Saleme aceitava a volta deles, menos dos que tinham processo no Município. Havia uns que eram realmente responsáveis por crimes. Aí, concordei. Isso foi uma hora muito feliz para Afonso Cláudio. Lembro, ainda hoje, a declaração de Carlos Lindenberg: "Esse foi um grande dia do meu Governo, pacificar Afonso Cláudio. "Demos a mão eu e Pedro Saleme e sobrevivemos. Se a briga continuasse, hoje um de nós não estaria vivo.

Essa pacificação ocorreu em 1961.Como foi a eleição seguinte?
Totó - Correu tudo bem. Eu me reelegi deputado estadual pela UDN e Pedro Saleme tornou-se deputado estadual pelo PSD. Nessa eleição, Bimbim fez a minha campanha toda e eu cumpri o acordo com Carlos Lindenberg, pois de 63 em diante eu era Governo (Chiquinho foi eleito). Apesar de Ter o corpo todo furado de bala, não houve mais um crime político em Afonso Cláudio. O Pedro Saleme falou no jornal (referência a uma entrevista dele em A Gazeta) que usava dois revólveres.

E daí?
Totó - Ele disse que usava dois revólveres e atirava com precisão. Nunca usei dois revólveres sempre usei um só. Agora, nunca corri da briga. Já Pedro Saleme levou uma carreira minha muito grande em São Domingos. Acho, que naquela época, ele deve Ter tido muita dificuldade para correr com dois revólveres.

Já que você contou o caso da corrida de Pedro Saleme, fala como foi que impediu o comício de Carlos Lindenberg, também em São Domingos, que está mal contado lá atrás. Totó - Aquela briga não houve. O Carlos Lindenberg foi com uns 100 militares: tinha até gente do Exército, para fazer o comício. Dessa eu corri, mas não os deixei realizar o comício, pois na minha região quem fazia comício era só a UDN. Eu fui ao comício - onde tinha muita gente - subi no palanque antes de eles chegarem e disse para o público: nós vamos fazer uma festa mais bonita aqui. Carlos Lindenberg já está em Afonso Cláudio e, daqui a pouco, chega aqui, com os seus pistoleiros. Meu tio Bimbim está chegando com uns 50 pistoleiros. Vai ser um comício lindo, na base da carabina e da metralhadora. Quando Carlos chegou, não havia ninguém para assistir ao comício dele. Cumpri a minha promessa de que ele não realizaria esse comício. Na saída, foi que encontrei com ele, e trocamos palavras duras.

Entrevista com o rival Pedro Saleme.

Rogério -No caso da "Captura Branca", onde o senhor estava?
Saleme - Eu era deputado estadual e o Totó, vereador.

O senhor concordou com a "Captura Branca"?
Saleme - Eu não concordei e nem a instituí. Não me lembro bem como foi feito. O certo é que o tio do Totó, o coronel Bimbim, tinha ojeriza a ladrão de cavalo. Totó tomou a frente do combate aos ladrões de cavalo em Afonso Cláudio e liquidou uma porção deles.

O senhor quer insinuar que a influência do Totó dependia do tio?
Saleme - A sua influência era realmente através do seu tio. Porém, Bimbim não era um bandido. Ele era fazendeiro em Alto Capim, no município de Aimorés, Minas Gerais, mas sempre dispôs de jagunços. Irradiava sua influência até Afonso Cláudio. Existia um distrito em Afonso Cláudio, na divisa com Minas, onde não ia Polícia. Quem decidia as coisas era o Bimbim, como fazia na sua terra. Ele chegou a ser prefeito em Aimorés.

Vamos adiantar a conversa. O Totó rompeu com o senhor porque queria ser candidato a prefeito e o senhor não honrou o compromisso que tinha com ele. Isso é correto?
Saleme - Ele queria ser candidato a prefeito, mas o grupo de que eu participava não concordava com isso. Existia um outro da preferência do grupo. Eu nunca tive compromisso com ele. E se Totó, que não era muito confiável do PSD, fosse candidato a prefeito, a gente estava arriscado a perder. Ele se aborreceu porque não foi candidato a prefeito e saiu do PSD. Foi para a UDN, candidatou-se a deputado e ganhou. Eu não tinha nenhum compromisso com ele, torno a falar. Ele solicitou realmente, mas nós não fizemos.

Como foi o comício em que o Totó não quis deixar o Carlos Lindenberg falar?
Saleme - Naquela oportunidade, até o general Parente Frota foi fardado. Foi um grupo muito grande com Carlos Lindenberg. Mas antes disso houve um caso feio. Fomos lá fazer um comício e lançar o Lilito como candidato a vereador pelo PSD. Nesse dia, saímos realmente corridos. Nós chegamos ao local e, como fazíamos habitualmente, fomos à Igreja. Levamos conosco todo o pessoal do PSD da sede, inclusive o Nilo Costa, que o Coronel Bimbim - que estava próximo da igreja - queria que engolisse um artigo que saiu em A Gazeta, Bimbim estava entrincheirado lá embaixo, de Gazeta na mão. Quando soubemos da presença deles e da sua intenção, deu um frio na minha espinha e no resto do pessoal.

E como vocês se saíram da situação?
Saleme - Quando saímos da igreja, vimos a turma toda lá embaixo: Totó, Bimbim, José Scárdua, João Valim e outros. Eram umas 50 pessoas, todas armadas até os dentes. Eles tinham até metralhadora. Como não havia outra saída da igreja, resolvemos passar por lá. O diálogo foi violento. Ouvimos muito desaforo. O jornal ofendia o Bimbim e ele atribuía a autoria da notícia ao Nilo Costa. Mas não tinha sido o Nilo. O Bimbim ouviu a sua explicação e não se convenceu. Depois, fomos almoçar. De lá é que saímos corridos. O José Scárdua e o Totó atirando atrás. Mas chegamos sãos e salvos a casa. Realmente fomos, corridos e não fizemos o comício. O Lilito, coitado atravessou uma mata e chegou a casa praticamente a pé.

E a situação do Carlos Lindenberg?
Saleme - Não fizemos o comício, porque o Totó tinha dispensado o público. Aí, o Carlos disse uns desaforos ao Totó.

O senhor se deu bem com o Bimbim?
Saleme - O tio do Totó era meu irmão de maçonaria. Embora o Bimbim tivesse essa coisa de pistoleiro, no fundo ele era um homem bom. Ele criava crianças desprotegidas, era contra ladrão de cavalo porque achava que o ladrão de cavalo prejudicava o homem trabalhador. Por que ele se transformou nesse homem é uma história diferente. Dizem que o Bimbim começou a agir assim depois que foi assaltado por ladrões, quando viajava a Santa Leopoldina. Nesse dia, ele matou os seus assaltantes e jurou os ladrões desse mundo. Daí a sua ojeriza a ladrões. Isso foi muito antes.

A coisa ficou preta quando o senhor foi para a Prefeitura e o Orlando Cavalcante para a Delegacia de Polícia.
Saleme - Mas nunca houve propósito meu de mandar matar o Totó. Ele, nessa época, foi acertado num bar e atribuiu esse crime a mim. Mas não ocorreu por minha responsabilidade...

Mas o Totó diz que o Orlando chegou com essa missão. Tanto que ele tomou os revólveres do pessoal da UDN.
Saleme - Isso pode Ter acontecido. Mas nós tivemos que dar jeito no Orlando, porque passou a ser inconveniente para a nossa política.

Ele bateu muito?
Saleme - Isso ocorreu. Mas eram coisas dele só.

Enquanto o senhor nega que mandou matar o Totó ele não faz segredo que mandou matá-lo. Só que os seus pistoleiros eram controlados pelo Schel, que lhe avisava.
Saleme (rindo) - Realmente, o Schel não dizia que tinha gente atrás de mim nem onde eles estavam. Passavam por mim e dizia: "Se cuida, Pedro". E os pistoleiros não me encontravam. Por isso, não deu certo a minha morte. Schel pertencia à UDN, mas era meu amigo.

E aí o atentado contra Totó.
Saleme - Ele achou que fui eu e, depois, andou pensando que tivesse sido também o José Luiz Cláudio Correia. Mas isso que você disse agora é muito importante. É a confissão de Totó de que realmente queria me matar e mandou me matar. Isso mostra que eu não tinha nenhum pistoleiro.

O Totó garante que os seus pistoleiros eram militares.
Saleme - Era a força do Governo, não minha. E nós tivemos que tirar o Orlando, porque ele estava incoveniente demais, embora nunca possa negar a qualidade de amizade dele. Eu lhe devo muitas atenções, mas Orlando fez muitas coisas que eu seria incapaz de pensar quanto mais mandar fazer. Agia, arbitrariamente, achando que aquilo era feito em meu benefício.

Quando soube da tentativa de assassinato do Totó, qual foi a sua reação?
Saleme - Nós tentamos tirar o Orlando da Delegacia, mas era difícil afastá-lo bruscamente. A minha proteção também estava em jogo. A coisa ficou mais fácil quando o Carlos Lindenberg promoveu o meu encontro com o Totó no Palácio. Essa iniciativa partiu do general Darcy Pacheco de Queiroz, que era secretário de Interior e Justiça. Darcy era muito meu amigo e estava preocupado com a situação. Foi ele quem efetivamente planejou o nosso encontro no Palácio. E o tenente José Scárdua, que era ligado ao Darcy e também ao coronel Bimbim, foi incumbido da missão de convencer o Totó a vir ao encontro. Ele veio, fizemos um acordo, que só vigorou naquele momento.

Como?
Saleme - A situação continuou a mesma; tiramos o Orlando, que agia por conta própria, mas os seus atos eram atribuídos a mim. A coisa melhorou realmente quando deixamos Lourival Mendonça no lugar de Orlando.

A convivência com Totó se normalizou?
Saleme - Só aparentemente. Na Assembléia Legislativa, onde viemos a ser deputados juntos, discutíamos muito. Certa vez, quando o Dirceu Cardoso, que também era deputado estadual, estava discursando e nós o aparteávamos, houve um incidente entre nós, mas os demais deputados acabaram com a confusão. Eu sempre enfrentei Totó; toda a minha vida foi assim.

Quando o Totó era Governo - o que ocorreu nas duas vezes em que Chiquinho se elegeu - ele também botava a Polícia para perseguí-lo?
Saleme - Botava os delegados da sua confiança. Mas ele não movia perseguição contra os meus companheiros. Agia em favor dos seus interesses políticos, é claro. Mas nessas ocasiões ocorreram mortes de pessoas amigas minhas cujas razões a gente não sabia. O Renato Barros, de Sobreiro, por exemplo, era tabelião lá, meu companheiro político. Morreu estupidamente. E os criminosos eram do lado do Totó.

Como eram os comícios?
Saleme - Eram sempre tensos. Houve um em frente à minha casa, na praça de Afonso Cláudio, que foi um pavor. Tínhamos que dar tempo ao comício para evitar que Francisco Costa, que era do lado deles, não matasse um de nós.

O senhor se dava bem com o tenente José Scárdua, apesar das ligações dele com o Totó?
Saleme - Muito bem e devo minha vida também a ele. Era ele quem atenuava a situação. E quando então Darcy Pacheco, que era o seu grande amigo, fazia qualquer recomendação a meu respeito, ele livrava a situação com o seu jeito especial. E assim a minha vida foi se prolongando(ele está vivo e com 90 anos de idade, enquanto o Totó já é morto há mais de 10 anos). Era como o Schel fazia também. Ele estava politicamente comprometido com o Totó, era da UDN, mas me livrava da morte. Livrava de uma forma que não o deixava também mal com os seus companheiros de partido, que queriam a minha caveira.

Qual foi sua sensação durante todo esse tempo na expectativa de ser assassinado? Sentiu medo?
Saleme - Eu nunca senti medo. Isso não quer dizer que eu não sentia medo por valentia. E sempre andei sozinho, mas prudentemente. Já o Totó sempre andou acompanhado. E a gente se encontrava em situações inevitáveis. Uma vez, tivemos um atrito na casa do Agenor Barros, o Nozinho, já falecido. Ele, que era nosso candidato a vereador, estava pressionando para Totó não ser candidato por nós. Nessa hora, também, estava junto conosco o dr. Álvaro Castelo. Aí, discutimos e ele me disse, em tom ameaçador, que tinha dois corações: um bom e um ruim. Eu pedi então que ele usasse um coração só: o bom. O Nozinho acabou sendo candidato pelo PSD e foi até eleito.

O senhor, nesse encontro, estava armado?
Saleme - Com dois revólveres, como sempre andava naquela época. Com os dois revólveres eu ia à Assembléia Legislativa, à Igreja, à maçonaria, a enterro, etc. Onde fosse tinha que andar armado. Minha proteção exigia. Era importante que os meus desafetos soubessem que eu estava armado, para mantê-los à distância. Eu, desarmado, naquele tempo, era um convite aos inimigos. Mas armado e sabendo atirar bem - eu treinava muito - era de fazer o inimigo pensar duas vezes antes de me atacar. Agora, eu prudentemente, não saía à noite e não ia a qualquer lugar.

Como entra o José Scárdua, homem que pertenceu ao mundo da violência, como pacificador nesse caso?
Saleme - Não é bem assim. O Scárdua era pistoleiro do Bimbim e policial capixaba. Ele gostava do Bimbim, devia favores a ele, mas nunca deixou de ser meu amigo, nem do general Darcy Pacheco de Queiroz. Ele também me prevenia quando a coisa estava feia para o meu lado. Mas dizia de um jeito discreto para não se comprometer com o Totó. O Scárdua também usava o expediente de dizer a outros amigos meus, que eram dele também, para me avisarem, sem haver necessidade de ele próprio me procurar. Dessa maneira, eu consegui ir vivendo. Se eu tinha que ir a determinado lugar sobre o qual havia sido prevenido, não ia. A noite, eu não chegava à janela.

Havia gente que ajudava a vigiar a situação?
Saleme - Toda vida tive parentes que zelaram por mim. O meu genro Darly do Valle me ajudava muito. Havia amigos que ajudavam também, todos sempre discretamente. No encontro em que o Bimbim queria fazer o Nilo Costa comer A Gazeta, quem me protegeu as costas foi o Darly. Nunca tive pistoleiro do meu lado, ou valentão escolhido. As pessoas me protegiam espontaneamente. Nos comícios, a vigilância era redobrada para ver se tinha alguém do outro lado infiltrado no público. E como eu iria me defender se não houvesse um grupo assim organizado? Não obstante tudo isso, cheguei a determinados lugares em que a minha vida correu risco.

Diga um caso?
Saleme - Certa vez, quando eu cheguei a Sobreiro, havia uma cavalaria armada desfilando pela rua. Eram os pistoleiros de Bimbim, todos armados e me afrontando. Quando vi aquilo, deixei o encontro político de lado e vim embora. Deixei o lugar por conta deles, pois afinal eu só tinha comigo dois companheiros e eles eram muitos. E olha que eu era prefeito em visita e era recebido assim.

E Totó andava sempre acompanhado?
Saleme - Na Assembléia, havia sempre dois pistoleiros vigiando sua vida. Mesmo assim, nunca tomei qualquer providência contra esses capangas que poderiam inclusive me acertar numa hora de discussão com ele. Totó dispunha de gente à vontade, por causa do apoio do tio. O que Totó ganhava gastava na sua proteção. A valentia do Totó estava ligada à valentia do tio. Ele dependia do tio.

Se o Bimbim era um homem que liquidava sempre seus inimigos, por que o senhor sobreviveu?
Saleme - Tenho informações do que ele disse na época: "Se vocês querem liquidar o Pedro Saleme, façam, mas eu não vou ajudar. Se vocês tiverem força, acertem ele. Se depender de mim isso não vai ocorrer". Por causa disso, também, eu durei. Ele ajudava Totó em outras coisas, menos nessa de me matar. Eu era ainda seu irmão de maçonaria. O José Scárdua também tinha interesse em que eu sobrevivesse, por causa do general Darcy Pacheco de Queiroz, e ajudava o Bimbim a ficar na sua neutralidade. A minha morte era somente do gosto de Totó. Sobre a atitude do Bimbim: se ele era meu irmão de maçonaria, não podia agir contra mim. Eu acho que ele aliviou minha vida porque era meu irmão de maçonaria. S e Bimbim estivesse realmente interessado na minha morte, eu não estaria vivo hoje.

O senhor então afirma que o Bimbim liquidou todas as pessoas que ele quis?
Saleme - Liquidou. E muitas por vontade do próprio Totó. Bimbim gostava do Totó. Era o sobrinho por quem tinha mais apreço. O Totó só foi o Totó por causa do apoio do tio.

Como os senhores estão hoje?
Saleme - Nós estamos hoje aposentados de tudo e já nos damos. Não somos mais inimigos, mas não temos muita condição de conversar. Todas as vezes em que tentamos, entramos em choque. Esquecemos os fatos, mas os ressentimentos ficaram....

Fonte: Medeiros, Rogério. Jornal A Tribuna. 1982. Disponível em: http://www.seculodiario.com/reportagens/index_toto01.htm