Levino Fânzeres (pintor) visita Afonso Cláudio

   
      Em fevereiro de 1932, o repórter Sylvestre do Val percorreu, de automóvel, quatro municípios capixabas: Santa Teresa, Itaguaçu, Afonso Cláudio e Colatina. Relatando os pormenores da excursão. 
     A viagem foi feita em companhia do consagrado e aplaudido artista capixaba da época, Levino Fânzeres, que pretendia reunir todos os aspectos vislumbrados da terra espírito-santense num trabalho, que se chamaria de Álbum da nossa terra. 
    Fânzeres nasceu em 1884, em Cachoeiro de Itapemirim, numa família de artistas. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios do rio de Janeiro e em Paris, onde conheceu Picasso. Era casado com uma escultora. Ao voltar para o Brasil fundou a Colméia dos Pintores do Brasil, uma instituição para ensino de arte. 
    Em busca de informações exatas sobre homens e coisas do Espírito Santo, percorreu o ilustre mestre do pincel todos os cantos do estado, vendo quedas d‟água, estradas de rodagem, fazendas, sítios, estabelecimentos agrícolas, comerciais, industriais, etc., procurando a cooperação e colaboração dos intelectuais para o seu “patriótico e bem delineado” trabalho, assim como recolhendo as informações pedidas aos Srs. prefeitos municipais pela inspetoria dos municípios do estado. 
     Em companhia do Sr. Carlos Rosa, encarregado da fiscalização das auto-estradas, passou Levino Fânzeres por Santa Teresa e convidou Sylvestre do Val a tomar parte na excursão aos quatro municípios citados. Convite aceito, partiram em seguida com destino a Afonso Cláudio. 
      Sylvestre é quem narra a viagem: 
    “Ao espírito lúcido de Levino nada escapava: um fio d‟água, montanhas de exóticos formatos, matas verde-escuras pintadas do amarelo do ipê, o roxo das flores da quaresma e o esbranquiçado das imbaúbas, tudo chamava a sua atenção e dava motivo a oportunos comentários.” 
     Depois de alguns instantes de corrida chegaram à povoação de Figueira (Itarana), caminho usado na época para se chegar a Afonso Cláudio. Após se deliciarem com um café na residência do Dr. Adhemar Mirabeau, atravessaram o rio Santa Joana às quatorze e trinta daquele dia, já na direção da cidade de Afonso Cláudio. 
    Gado, capinzal d‟angola e o automóvel iniciou, o fonfonando, o acesso à Serra do Bananal. “Bananal por que? Só enxergamos abóboras, melões, milho, café, aipim e laranjais. Banana nem prá remédio.” 
    Pararam no alto para contemplação demorada do Vale do Sossego. “Sempre inexpressivos e contraditórios os nomes. No Sossego há provas irrecusáveis, evidentes, de porfiado trabalho...” 
      Lá pelas tantas atingiram as divisas do município de Itaguaçu com o de Afonso Cláudio. Na curva seguinte foram recebidos pelo caminhão 107 que, viajando sem freio, quase os jogou pelo despenhadeiro abaixo. O susto não foi pequeno, mas nenhuma avaria se constatou. Atravessaram a Fazenda Secundino, ponto, outrora, de descanso obrigatório, de coversa, café e refeição. 
     Convergência das serras do Bananal, Frutal, Samambaia e Pelada. O proprietário da fazenda citada era obsequiador, tinha sempre uma página de livro, um artigo recortado, um almanaque a mostrar, uma anedota a reproduzir. Nada cobrava aos viajantes. 
     Na Serra da Samambaia, após ligeira parada na casa do Sr. Emílio Colombo, contemplaram a vista ampla e horizontes longínquos. Ponto de café em casa de Germano Keppke. Capela Batista. Término da descida. Sede do distrito da Serra Pelada. Outro ponto de café. Quilômetro 152. Ribeirão Lagoa. Antiga Fazenda Marianno. O sol escondendo-se entre as montanhas. Encantadoras cambiantes de luz. Inefável bucolismo. À sombra do longo bambual, uma manada de gado descansava sonolenta, a ruminar. Levino não resistiu ao misticismo do crepúsculo; desceu até a cascatinha da Fazenda Perozini e arrancou de sua máquina fotográfica alguns quadriláteros de papel preto. 
    De novo em movimento. Fazenda Eduardo Olympio dos Santos, antiga residência do coronel Seraphim Tibúrcio da Costa que, há anos passados, viera de Minas onde sustentou renhidos combates com a força policial daquele estado, lutando com a força federal. Era um dos valentes na zona dos quase esquecidos tempos em que muito se falava em Chico Rosa, coronel Martinho Barbosa, coronel Ramiro de Barros e outros homens de coragem. 
    À esquerda – a pedra do Empoçado. Do outro lado, os rios Guandu e São Domingos. O Acompanhante Carlos Rosa falou sobre uma mina de enxofre... 
     “O Espírito Santo tem muita coisa ainda a explorar; possui, não há negar, múltiplas, inexauríveis fontes de riqueza. E, enquanto vencíamos os últimos quilômetros que nos separavam de Afonso Cláudio, quedos, empoeirados, deixamos que nossos espíritos se embalassem na rede macia de alcandorados sonhos e blandiciosos devaneios. 
      Íamos descer a última rampa. Estávamos prestes a chegar à cidade. Viajávamos de capota baixa. O Rosa com seu característico chapéu de cortiça. Levino com guarda-pó branco e bem talhado. Eu com meu boné de couro de onça, astrankanado.” 
      A intenção dos viajantes era causar sensação, ao entrarem na cidade. Sylvestre falou de “entrada triunfal...”. Mas a chuva frustrou suas intenções. Tiveram de suspender a capota às pressas, ingressando “burguesmente” em Afonso Cláudio pouco antes das dezenove horas. 
    Tomaram aposento no Hotel Guanduense, do Sr. Custódio Leite Ribeiro. Depois de rápidas abluções, saíram os Srs. Levino e Carlos Rosa à procura do Sr. Adherbal Galvão, prefeito do município, que não foi encontrado por se achar em viagem pelo interior. 
      Reunidos de novo, entraram nos “saborosos e deleitosos” petiscos do Custódio, para se refazerem das forças perdidas na viagem, saindo depois, em visita à “próspera cidade banhada pelo encachoeirado Guandu”. 
     “São adoráveis as manhãs de Afonso Cláudio. Acordamos bem humorados e bem dispostos. Cada excursionista ingeriu seu copázio de manteigoso leite, depois de ter saboreado o matinal e aromático café do Custódio.” 
      Levino foi o primeiro a sair, à procura de um trecho da pitoresca natureza local para os seus “maravilhosos” painéis. E, poucos instantes depois, voltava dizendo que “numa terra, como o Espírito Santo, em que tudo é estupendo de beleza, não há o que escolher”. 
      Foram à prefeitura municipal. O Sr. prefeito ainda não regressara de sua viagem. O Sr. João Soares de Azevedo, suplente do substituto de juiz de direito e um dos próceres locais, também não fora encontrado. 
     No primeiro andar do edifício da municipalidade funcionavam várias repartições públicas, as oficinas e a redação do Correio do Centro, órgão oficial do município. Recebeu os visitantes com gentileza o Sr. Sylvio Leite, secretário do prefeito, que se prontificou a fornecer a Fânzeres todos os dados e informações de que carecesse o “laureado” artista para a execução do trabalho que tinha em vista. E, enquanto eles se preocupavam com os resumos históricos, estatística de produção de café, cereais, pecuária, etc., Sylvestre visitou as oficinas do Correio, obtendo do Sr. Genésio Braga, seu gerente, os últimos números editados, e, por fim, acaderou-se no compartimento da coletoria estadual para um dedo de prosa com Calixto de Azevedo, parente do professor Quintiliano de Azevedo e “notável galã dramático”. Calixto conhecia, “com proficiência”, todos os tomos da história guanduense. “É bem a crônica viva da cidade. Assim, a nossa prosa ultrapassou as proporções de um dedo, de uma... mão, de um braço e até de um corpo”. 
    Conversaram por um bom tempo... Em frente, o engenheiro Pio Ramos, responsável pelas demarcações de terras, experiente piador de macuco, media, ao invés de fazendas de cultura, tecidos marca olho das Casas Pernambucanas. 
     De volta ao hotel foram fotografados em cima de um carro de bois e, em seguida, visitaram Constantino Sá, que encontraram quase restabelecido dos ferimentos a bala sofrido no tribunal semanas antes. Em casa de Constantino estava também em visita o conterrâneo de Sylvestre, José Furtado, “que nos contou várias proezas automobilísticas praticadas no sul do estado, em cujas costas fiscaliza a selagem e o consumo de coisas líquidas e sólidas”. 
      Poucos momentos depois, partiram os viajantes rumo a Itaguaçu, quase às onze da manhã. 
    Levino Fânzeres produziu muitas belíssimas obras paisagísticas, provavelmente algumas delas inspiradas na bela natureza guanduense. 

Fonte: FONTES, Adilson Braga. Notícias de Afonso Cláudio: a história de Afonso Cláudio contada pelos jornais: 1881-1949. Campinas: Abrafo, 2014. p. 304-306. Disponível em: https://biblioteca-virtual.com/detalhes/livro/135. Acesso em: 26 jan. 2017.

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