A viagem foi feita em companhia do consagrado e aplaudido artista
capixaba da época, Levino Fânzeres, que pretendia reunir todos os aspectos
vislumbrados da terra espírito-santense num trabalho, que se chamaria de
Álbum da nossa terra.
Fânzeres nasceu em 1884, em Cachoeiro de Itapemirim, numa família de
artistas. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios do rio de Janeiro e em Paris, onde
conheceu Picasso. Era casado com uma escultora. Ao voltar para o Brasil
fundou a Colméia dos Pintores do Brasil, uma instituição para ensino de arte.
Em busca de informações exatas sobre homens e coisas do Espírito Santo, percorreu o ilustre mestre do pincel todos os cantos do estado, vendo quedas d‟água, estradas de rodagem,
fazendas, sítios, estabelecimentos agrícolas, comerciais, industriais, etc., procurando a cooperação e
colaboração dos intelectuais para o seu “patriótico e bem delineado” trabalho, assim como recolhendo as
informações pedidas aos Srs. prefeitos municipais pela inspetoria dos municípios do estado.
Em companhia do Sr. Carlos Rosa, encarregado da fiscalização das auto-estradas, passou Levino
Fânzeres por Santa Teresa e convidou Sylvestre do Val a tomar parte na excursão aos quatro municípios
citados. Convite aceito, partiram em seguida com destino a Afonso Cláudio.
Sylvestre é quem narra a viagem:
“Ao espírito lúcido de Levino nada escapava: um fio d‟água, montanhas de exóticos formatos, matas
verde-escuras pintadas do amarelo do ipê, o roxo das flores da quaresma e o esbranquiçado das imbaúbas,
tudo chamava a sua atenção e dava motivo a oportunos comentários.”
Depois de alguns instantes de corrida chegaram à povoação de Figueira (Itarana), caminho usado na
época para se chegar a Afonso Cláudio. Após se deliciarem com um café na residência do Dr. Adhemar
Mirabeau, atravessaram o rio Santa Joana às quatorze e trinta daquele dia, já na direção da cidade de
Afonso Cláudio.
Gado, capinzal d‟angola e o automóvel iniciou, o fonfonando, o acesso à Serra do Bananal. “Bananal
por que? Só enxergamos abóboras, melões, milho, café, aipim e laranjais. Banana nem prá remédio.”
Pararam no alto para contemplação demorada do Vale do Sossego. “Sempre inexpressivos e
contraditórios os nomes. No Sossego há provas irrecusáveis, evidentes, de porfiado trabalho...”
Lá pelas tantas atingiram as divisas do município de Itaguaçu com o de Afonso Cláudio. Na curva
seguinte foram recebidos pelo caminhão 107 que, viajando sem freio, quase os jogou pelo despenhadeiro
abaixo. O susto não foi pequeno, mas nenhuma avaria se constatou. Atravessaram a Fazenda Secundino,
ponto, outrora, de descanso obrigatório, de coversa, café e refeição.
Convergência das serras do Bananal, Frutal, Samambaia e Pelada. O proprietário da fazenda citada era
obsequiador, tinha sempre uma página de livro, um artigo recortado, um almanaque a mostrar, uma
anedota a reproduzir. Nada cobrava aos viajantes.
Na Serra da Samambaia, após ligeira parada na casa do Sr. Emílio Colombo, contemplaram a vista
ampla e horizontes longínquos. Ponto de café em casa de Germano Keppke. Capela Batista. Término da
descida. Sede do distrito da Serra Pelada. Outro ponto de café. Quilômetro 152. Ribeirão Lagoa. Antiga
Fazenda Marianno. O sol escondendo-se entre as montanhas. Encantadoras cambiantes de luz. Inefável
bucolismo. À sombra do longo bambual, uma manada de gado descansava sonolenta, a ruminar. Levino
não resistiu ao misticismo do crepúsculo; desceu até a cascatinha da Fazenda Perozini e arrancou de sua
máquina fotográfica alguns quadriláteros de papel preto.
De novo em movimento. Fazenda Eduardo Olympio dos Santos, antiga residência do coronel
Seraphim Tibúrcio da Costa que, há anos passados, viera de Minas onde sustentou renhidos combates
com a força policial daquele estado, lutando com a força federal. Era um dos valentes na zona dos quase
esquecidos tempos em que muito se falava em Chico Rosa, coronel Martinho Barbosa, coronel Ramiro de
Barros e outros homens de coragem.
À esquerda – a pedra do Empoçado. Do outro lado, os rios Guandu e São Domingos. O
Acompanhante Carlos Rosa falou sobre uma mina de enxofre...
“O Espírito Santo tem muita coisa ainda a explorar; possui, não há negar, múltiplas, inexauríveis
fontes de riqueza. E, enquanto vencíamos os últimos quilômetros que nos separavam de Afonso Cláudio,
quedos, empoeirados, deixamos que nossos espíritos se embalassem na rede macia de alcandorados
sonhos e blandiciosos devaneios.
Íamos descer a última rampa. Estávamos prestes a chegar à cidade. Viajávamos de capota baixa. O
Rosa com seu característico chapéu de cortiça. Levino com guarda-pó branco e bem talhado. Eu com meu
boné de couro de onça, astrankanado.”
A intenção dos viajantes era causar sensação, ao entrarem na cidade. Sylvestre falou de “entrada
triunfal...”. Mas a chuva frustrou suas intenções. Tiveram de suspender a capota às pressas, ingressando
“burguesmente” em Afonso Cláudio pouco antes das dezenove horas.
Tomaram aposento no Hotel Guanduense, do Sr. Custódio Leite Ribeiro. Depois de rápidas abluções,
saíram os Srs. Levino e Carlos Rosa à procura do Sr. Adherbal Galvão, prefeito do município, que não foi
encontrado por se achar em viagem pelo interior.
Reunidos de novo, entraram nos “saborosos e deleitosos” petiscos do Custódio, para se refazerem das
forças perdidas na viagem, saindo depois, em visita à “próspera cidade banhada pelo encachoeirado
Guandu”.
“São adoráveis as manhãs de Afonso Cláudio. Acordamos bem humorados e bem dispostos. Cada
excursionista ingeriu seu copázio de manteigoso leite, depois de ter saboreado o matinal e aromático café
do Custódio.”
Levino foi o primeiro a sair, à procura de um trecho da pitoresca natureza local para os seus
“maravilhosos” painéis. E, poucos instantes depois, voltava dizendo que “numa terra, como o Espírito
Santo, em que tudo é estupendo de beleza, não há o que escolher”.
Foram à prefeitura municipal. O Sr. prefeito ainda não regressara de sua viagem. O Sr. João Soares de
Azevedo, suplente do substituto de juiz de direito e um dos próceres locais, também não fora encontrado.
No primeiro andar do edifício da municipalidade funcionavam várias repartições públicas, as oficinas
e a redação do Correio do Centro, órgão oficial do município. Recebeu os visitantes com gentileza o Sr.
Sylvio Leite, secretário do prefeito, que se prontificou a fornecer a Fânzeres todos os dados e informações
de que carecesse o “laureado” artista para a execução do trabalho que tinha em vista. E, enquanto eles se
preocupavam com os resumos históricos, estatística de produção de café, cereais, pecuária, etc., Sylvestre
visitou as oficinas do Correio, obtendo do Sr. Genésio Braga, seu gerente, os últimos números editados,
e, por fim, acaderou-se no compartimento da coletoria estadual para um dedo de prosa com Calixto de
Azevedo, parente do professor Quintiliano de Azevedo e “notável galã dramático”. Calixto conhecia,
“com proficiência”, todos os tomos da história guanduense. “É bem a crônica viva da cidade. Assim, a
nossa prosa ultrapassou as proporções de um dedo, de uma... mão, de um braço e até de um corpo”.
Conversaram por um bom tempo... Em frente, o engenheiro Pio Ramos, responsável pelas
demarcações de terras, experiente piador de macuco, media, ao invés de fazendas de cultura, tecidos
marca olho das Casas Pernambucanas.
De volta ao hotel foram fotografados em cima de um carro de bois e, em seguida, visitaram
Constantino Sá, que encontraram quase restabelecido dos ferimentos a bala sofrido no tribunal semanas
antes. Em casa de Constantino estava também em visita o conterrâneo de Sylvestre, José Furtado, “que
nos contou várias proezas automobilísticas praticadas no sul do estado, em cujas costas fiscaliza a
selagem e o consumo de coisas líquidas e sólidas”.
Poucos momentos depois, partiram os viajantes rumo a Itaguaçu, quase às onze da manhã.
Levino Fânzeres produziu muitas belíssimas obras paisagísticas, provavelmente algumas delas
inspiradas na bela natureza guanduense.
Fonte: FONTES, Adilson
Braga. Notícias de Afonso Cláudio: a
história de Afonso Cláudio contada pelos jornais: 1881-1949. Campinas: Abrafo,
2014. p. 304-306. Disponível em: https://biblioteca-virtual.com/detalhes/livro/135.
Acesso em: 26 jan. 2017.
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