quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Coronelismo Capixaba - Bimbim, Senhor do Vale do Rio Doce

'Ele impôs a paz dos cemitérios na região do Contestado,
contabilizando em sua biografia política oito mil mortes."

Bimbim


Escreveu seu nome a bala

Coronel Bimbim. Esse nome te diz alguma coisa? Se você estiver com mais de 50 anos de idade, possivelmente. Com menos, talvez não, a não ser que sua família seja natural aqui do Espírito Santo ou do oeste mineiro. Nesse caso, então deve ter ouvido, em alguma oportunidade, um parente mais velho falar dele, já que o coronel Bimbim foi, na região do Rio Doce, no seu tempo de domínio, senhor absoluto da vida e da morte do seus habitantes.

Não há muita diferença do que ele representou na sua região para o que significou para o Nordeste a figura de Lampião. Pode não ser exatamente igual. Mas há muita semelhança, principalmente no código de justiçamento do matador. E, ainda como Lampião, ele foi venerado pela população pobre, mas, como o outro, também odiado pelas famílias de suas vítimas.

No caso específico do coronel Bimbim, apesar de a região ter reunido, no seu período, os maiores matadores de sua história, tendo tido entre eles figuras legendárias como o tenente José Scárdua, nenhum deles, no entanto, deixou de prestar-lhe reverência e obediência. Era saudado como o principal chefe do crime, numa extensão territorial em que cabiam meio Espírito Santo e uma parte de Minas Gerais.

Seus poderes, sobre a vida dos que habitavam essa região, foram de tal ordem que um de seus sobrinhos-netos, Raul Cipriano, 60 anos, chega à ousadia de afirmar agora que "não caía uma folha de uma árvore em seu território de mando que não obedecesse a um desejo seu". Imagem que não está de todo dissociada do que ainda hoje dizem antigos moradores das cidades de Baixo Guandu (ES) e Aimorés (MG), assegurando que "ninguém partiu de lá para outro mundo, de morte matada, que não fosse por uma decisão dele".

De 1920 a meados da década de 60, o coronel Bimbim foi realmente senhor absoluto do Vale do Rio Doce.
Os mais famosos matadores da região dependiam de seu beneplácito para executar suas vítimas. Nesse tempo, inclusive, em que Bimbim imperou por lá, a região viveu o período mais violento de sua história, ajudado, em parte, pela disputa de sua posse pelo Espírito Santo e por Minas Gerais.

Para seus biógrafos, essa região contestada está na raiz da sua violência, como bem assinalou Hélio dos Santos Pessoa em seu livro "Negociador de vida na saga do rio Doce":
"A zona do vale do rio Doce, desde o começo da colonização, é palco de embates renhidos. Assim que os primeiros colonos chegaram para a região, inóspita e selvagem, tiveram que colocar à prova a força e a disposição de lutar. As disputas foram travadas em todos os sentidos. Homens, feras e selvagens se engalfinhavam em uma guerra de titãs. A questão do litígio entre o Espírito Santo e Minas Gerais influiu, de maneira desfavorável, no desenvolvimento do território. Ambos os estados reivindicavam o direito sobre a área. Mas nenhum dos dois investiu no progresso efetivo dos pequenos núcleos de povoação que iam surgindo. Não havia autoridade constituída. Os colonizadores seguiam a ordem natural das coisas, e predominou a lei do mais forte.

E foi realmente essa lei que deu origem a figuras como Bimbim, que fazia justiça com as próprias mãos.
No seu caso, ainda aos 22 anos, ele começa atirando num desafeto no Alto do Capim (MG, distante 268 quilômetros de Vitória), onde tinha sua fazenda. Daí em diante não parou de matar. Foi matando até morrer, no ano de 1964. Contudo, acabou, de certa forma - se é que se pode registrar assim de forma tão insólita - premiado, simplesmente por ter morrido de morte natural para frustração de uma legião de inimigos e regozijo de amigos e seguidores. Quem acabou abatendo-o mesmo foi o seu frágil coração, aos 69 anos de idade.

Cálculos mais exagerados dão conta de que Bimbim, nos seus 40 anos de domínio sobre o Vale do Rio Doce, foi responsável por cerca de oito mil mortes. Seus parentes não reagem contra esses números, mas observam que, desses oito mil, além dos que ele próprio executou e dos que mandou executar, devem constar também as mortes pela quais não moveu uma única palha para evitá-las.

Mas matar mesmo, puxando o gatilho do seu revólver ou acionando o disparador de sua carabina, foi só no início. Grande parte dessas mortes foi de responsabilidade de seus jagunços. Apesar de todo esse rosário de mortes, seus admiradores continuam venerando-o como a um perfeito justiceiro. Embora já passados 30 anos de sua época, uma legião deles, espalhados pelo Espírito Santo e Minas, de cabelos já totalmente embranquecidos, ainda permanece o tempo todo cultuando-o como a um verdadeiro ídolo.

A mula estupradora

Um afilhado do coronel, conhecido por Criatura, residente em Barra de São Francisco, conta, com frequência, um feito, a seu ver, de justiça do padrinho: havia numa região de Afonso Cláudio, que faz fronteira com Aymorés, um homem que andava estuprando as moças da região. Com medo de que o reconhecessem, pois tratava-se de um homem muito forte, suas vítimas comumente atribuíam os ataques à figura de uma certa Mula Doida. Mas veio o dia em que ele atacou uma pessoa de idade, que não fez como as demais moças e foi direto à casa de Bimbim contar quem era o estuprador.

O coronel mandou imediatamente seus jagunços buscarem o sujeito. Mas, quando ele chegou à sua casa, o coronel constatou que se tratava de um moço muito trabalhador e resolveu mudar a forma de puni-lo. Em vez de matá-lo, optou por decepar-lhe uma de suas orelhas, marcando-o para o resto da vida como a Mula Doida da localidade.

Episódios de justiçamento à moda Bimbim existem muitos. A verdade é que, embora residisse em Minas Gerais, ele foi responsável por inúmeros crimes no Espírito Santo. Político do lado de Minas, tendo chegado inclusive ao cargo de prefeito de Aymorés, ele mantinha sua presença política no Espírito Santo, elegendo um sobrinho deputado estadual, que atendia pelo nome de Totó (Sebastião Cypriano do Nascimento) e que inscreveu também o seu nome no rol dos matadores capixabas. E com o devido destaque.


Quando a política era perigosa

Até governadores como Carlos Lindenberg, que tiveram estreita relação com a violência rural no Estado, levaram em consideração essa credencial de sobrinho do coronel Bimbim do Totó, que aplicava métodos semelhantes de justiçamento na região de sua influência política, que era Afonso Cláudio. Ele era da UDN, principal adversária do PSD, de Carlos Lindenberg.

Era um tempo, no dizer do único jagunço do coronel ainda vivo, Aponino Gomes da Silva, 79 anos, "em que a política era perigosa e não tinha os sem-vergonhas de hoje". Neste período de lutas entre UDN e PSD no Estado, Aponino, em algumas ocasiões, guarneceu o sobrinho do coronel, principalmente depois que atiraram nele e no João do Valim (ex-prefeito de Afonso Cláudio).

Mas enquanto a política do lado de cá da fronteira com Minas era na base do tiro promovido pelo sobrinho do coronel Bimbim, do lado de lá, isto é, em Minas Gerais, o coronel ia eliminando seus adversários para conseguir a prefeitura de Aymorés, como viria realmente a obter com o tempo. Mas isso é assunto para daqui a pouco. O momento é ainda de se falar das estatísticas de mortes do coronel Bimbim.

Possivelmente não ficou, enquanto viveu o coronel Bimbim, um único ladrão de cavalo com vida na região do rio Doce e do norte do Estado. Foram praticamente 40 anos matando ladrão de cavalo. Mas não foi só este o seu campo de violência. No setor político, então, caíram muitos, como também nas questões de terra e de posses. Grande parte das violências ocorridas nas ocupações do norte capixaba tem o dedo dele. Fora dessas atividades, até casamentos desfeitos passavam por ele. Maridos voltavam para casa ou morriam, e o mesmo também acontecia com as mulheres que trocavam de marido.

Se ainda hoje alguém se der ao trabalho de levantar o número de mortes desses quadros de violência em que ele esteve presente, certamente vai chegar próximo ao número previsto lá na frente, de oito mil mortes. Isto porque a semente dele espalhou-se principalmente pelo Espírito Santo, onde agiam, na mesma linha, o tenente José Scárdua, o major Orlando Cavalcante e os fazendeiros Reginaldo Paiva, Antônio Pinto, Alfredo Fagundes e o Beatriz, só para ficar com os mais importantes. "O Bimbim tinha o braço comprido demais", disse, de certa feita, Carlos Lindenberg, na sua época de governador, para dar idéia exata da presença dele na violência do Espírito Santo.

O período de crimes foi tão extenso no Espírito Santo, que Bimbim, mais seus seguidores, acabaram conhecidos como integrantes de uma organização conhecida como Sindicato do Crime. "Era de ver, disse um membro da elite de Baixo Guandu (que só falou depois da promessa do repórter de não colocar o seu nome na reportagem), como o povo já sabia quem ia morrer quando havia uma questão entre fazendeiros. Naquele tempo, a vida, infelizmente, dependia desses homens. Se forem então contar os seus mortos, não é qualquer cemitério que cabe todos eles".

Mas os poderes desse grupo acabaram no dia em que enterraram o Bimbim no Alto do Capim, no ano de 1964, muito embora pouco antes de ele morrer os desentendimentos já existissem entre os matadores, com o assassinato de Neném Maria (um dos pistoleiros mais temidos a serviço deles), e que no momento em que foi assassinado estava na companhia de dois amigos do tenente José Scárdua, que também foram mortos no episódio.

Depois que o coronel Bimbim morreu, os seus seguidores, diferentemente dele, acabaram fazendo também parte das estatísticas dos que foram assassinados, envolvidos que estiveram numa luta de grupos para ocupar o lugar dele na organização. O grupo do tenente José Scárdua matou Reginaldo Paiva e o major Orlando Cavalcanti, enquanto que os sucessores de Reginaldo mataram Scárdua e os seus pistoleiros, pondo um fim, literalmente, à era Bimbim, que cobriu de terror as populações do Vale do Rio Doce e do norte capixaba.

Pouca escolaridade, muita argúcia
O coronel Bimbim, que de batismo se chamava Secundino Cypriano da Silva, era um homem sem escolaridade, mas de uma argúcia e estratégia de ação incomuns, no dizer do ex-prefeito de Aymorés, Antônio Calvão, que é casado com uma sobrinha dele. Atribui a esses predicados a liderança que exerceu sobre os demais valentões de sua terra e do Espírito Santo.

Em matéria de aparência, lembrava muito os personagens do tempo de Pancho Vila no México, sobretudo pelo tipo físico atarracado, pelo cabelo, pelo bigode, e ainda no cinto largo, a la mexicana, que rodeava sua cintura com destaque. Identidade com o nosso homem do campo, só nos dentes de ouro, que eram, neste período, moda nos fazendeiros de pouca instrução como ele.

Não era um homem rico. Sua propriedade, no Alto Capim, tinha pouco mais de 100 alqueires - para a época, classificada de média para pequena. Mas ele comerciava muito café e também emprestava dinheiro a juros. Dizem, ainda hoje, que em matéria de café, poucos foram aqueles que negociavam fora dele, por óbvias razões de segurança.

Tinha enorme implicância com os forrós, dizia que era lugar de briga e bebida, a ponto de proibi-los quando foi autoridade em Aymorés. Na redondeza de onde morava então era raro alguém arriscar promover algum baile. Mas houve o dia da desobediência. Ele soube e foi até o local. O salão estava cheio quando ele chegou com os seus jagunços. A sanfona silenciou imediatamente com a sua chegada e todos ficaram paralisados no salão.

Ele foi para o centro do salão e mandou separar os homens das mulheres. E foi a um por um indagando se gostava de dançar. Todos responderam, invariavelmente, que sim. Ele falou então que ia fazer a vontade deles: mandou separar o salão no meio com uns bancos e botou homens de um lado e mulheres do outro. E obrigou os homens a dançarem entre si, fazendo o mesmo com as mulheres. E foi embora. Ninguém parou de dançar antes de o dia clarear.


Vitória escrita com sangue

Excentricidades à parte, sua estratégia, para se tornar prefeito de sua terra, rendeu uma enfiada de mortes. Ainda nos idos de 40, ele começou a participar de eleições apoiando candidatos do PSD. Em 54, elegeu-se vice-prefeito na chapa de Zequinha Henrique. Foram eleitos pelo PSD, uma vitória também tirada com a ajuda da jagunçada do Bimbim, que tomava de assalto as seções de votação, ficando dentro da cabine indevassável vigiando os eleitores.

Mas os dois se desentenderam no governo, até porque o prefeito era conhecido também pela sua coragem pessoal e havia dado uma resposta atrevida quando ele quis interferir nos negócios da administração: "Bimbim conhece montaria e sabe que quem está na garupa não governa as rédeas".

Na eleição seguinte (58), Bimbim disputou as eleições contra um candidato apoiado pelo Zequinha Henrique e perdeu por apenas 86 votos. Mas nessa eleição ele já não estava mais no PSD e sim na UDN. Sua derrota é atribuída às urnas do distrito de Mundo Novo, onde os seus jagunços foram impedidos pela polícia de tomar conta delas, como ele fez em outros lugares.

O episódio de Mundo Novo, então, ficou marcado na história política do município como a única resistência vitoriosa contra o coronel Bimbim. As urnas só deram 12 votos para ele e 402 para o seu adversário. Conta o historiador Hélio dos Santos Pessoa, também no livro O negociador de vidas na saga do rio Doce, que os jagunços do coronel toparam no lugar com um destacamento chefiado pelo cabo Machadinho, um dos militares mais respeitados da região. Houve intensa troca de tiros, obrigando inclusive a população a se refugiar nas matas. Acabou com os homens do coronel em fuga. O cabo Machadinho, que tocou os jagunços do Bimbim para fora de Novo Mundo, foi o mesmo que o desarmou em outra ocasião (episódio contestado por seus familiares).

Depois de sua derrota, Bimbim andou aconselhando uns e outros a irem providenciando pano preto, pois ia Ter muita viúva chorando. E não deu outra. Ele só não conseguiu matar um velho aliado que não ficou com ele nessa eleição, que era um próspero comerciante e proprietário rural no distrito de São Sebastião da Vala, onde ele também perdeu. Influente na política, essa pessoa, que se chamava Hamilton Santos, teve a coragem de ficar nas eleições contra o coronel. Mas depois não conseguiu permanecer na região. Mudou-se com toda a família para Belo Horizonte, não sem antes passar o maior sufoco nas mãos dos jagunços do coronel.

Três dias após sair o resultado das eleições, o prefeito Zequinha Henrique é assassinado na casa de sua amante, na cidade capixaba de Baixo Guandu, vizinha de Aymorés. Tomba com os tiros que foram dados pelo pistoleiro que atendia pelo apelido de Tiãozinho, levado pelo tenente José Scárdua. A estratégia do crime foi usar um pistoleiro de fora, já que a jagunçada do coronel era bastante conhecida em Aymorés, especialmente do Zequinha. O crime contou também com u olheiro de nome Joaquim Belo, que teve a função de vigiar a vítima para permitir que o pistoleiro chegasse no momento decisivo.

Depois da morte do Zequinha, Bimbim retirou-se do lugar por algum tempo, deixando inclusive de assumir a prefeitura na qualidade de vice, voltando anos depois para tornar a disputar outra eleição e desta vez vencê-la. Mas, antes dessa sua vitória para a prefeitura de Aymorés, muita gente desapareceu do município e outras tantas, especialmente influentes lideranças políticas que estiveram contra ele nas eleições de 58.

Altamiro Santos pagou caro por Ter deixado de apoiá-lo. Começou com uma pressão psicológica dos seus jagunços junto à sua família. Depois porcos, galinhas, bois foram aparecendo mortos nos terreiros e nos seus pastos. Proibiu que o pessoal comprasse em sua venda. E por fim, mandou incendiar sua casa e sua loja comercial.

Altamiro levou a família para Belo Horizonte mas só conseguiu sair muito depois, sob proteção de amigos e policiais. Foi colocado num teco-teco, já que era impossível sair por terra; os jagunços do coronel Bimbim tinham tomado conta das saídas de Aymorés e da estação de trem.

Outros adversários seguiram o mesmo caminho de Altamiro para não morrer nas mãos dos jagunços do coronel. Assim ocorreu com o fazendeiro Davi de Oliveira Silva, com Manoel Coimbra (teve que entregar sua fazenda a um vizinho e sair corrido), Josué de Oliveira (por Ter ajudado Altamiro na sua fuga), José de Oliveira Pinto, Manoel Medeiros de Oliveira, Virgílio de Oliveira (vendeu sua fazenda por preço irrisório e se mandou, assim ocorreu com Ari Lagner), e ainda Vicente Pereira Reis, o pastor José de Oliveira e Jaci Cruz, Roldão Lopes, Alvim Modesto, Henrique Corte, Vicente Rodrigues Neto, Levi Rodrigues, Natanael Rodrigues, Sebastião Cortez, Gabriel José de Oliveira, Armindo Francisco, José Marcelino, Antônio Ferreira, Manoel Felix. E muitos outros de menor significado político.

Depois dessa diáspora de adversários, que ocorreu em 1961, véspera portanto das eleições de 1962, o coronel Bimbim elegeu-se finalmente prefeito de Aymorés sob o slogan "Adversário político é inimigo, e inimigo a gente não conversa, mata". Ganhou co 90% dos votos válidos, mas só governou dois anos. Faleceu no dia 18 de abril de 1964, na metade do seu mandato. Foi enterrado no alto do Capim num sepultamento que reuniu mais de cinco mil pessoas, entre jagunços, deserdados da sorte e companheiros de crimes.

Aponino, o fiel escudeiro

Para um homem de 79 anos, às vésperas dos anos 80, ele está enxuto. Alto, sorridente, mas silencioso, principalmente quando o assunto é o coronel Bimbim. Falara com ele só foi possível depois que se apelou para parentes do coronel. O médico Zezinho Cypriano e o dirigente petista Perly Cypriano, um neto e o outro sobrinho, ajudaram, indo com o repórter a Aymorés.

Mas Aponino, cujo nome inteiro á Aponino Gomes da Silva, como o jagunço de maior confiança do coronel Bimbim, falou muito pouco, pois, como disse, o coronel não gostava de falador. Aponino estava no carro em que o coronel passou mal no caminho de casa e veio a falecer. Eram ele e o motorista que atendia pelo nome de Cereais. O coronel tinha o hábito de na Sexta-feira ir para a fazenda passar o fim-de-semana. Descansar dos afazeres da prefeitura e conversar com o povo do lugar, que o viu nascer e que ele viu também nascerem os filhos dos amigos. Aponino lembra a hora em que ele passou mal:
- Estou com uma dor forte no coração.
O jagunço sugeriu voltar para Aymores. Ele rejeitou:
- Se tiver que morrer, prefiro morrer em casa. Toca pra lá.
E morreu dentro da casa.
Falar da sua relação com o coronel é apenas ouvir a resposta de que era do jeito que ele falasse. Era cumprir as suas ordens. E guardar o homem como ele fazia no tempo todo do Bimbim prefeito. Ficava o tempo todo do lado de fora do seu gabinete só assuntando o pessoal. E o acompanhava quando ele saía à rua.
- Armado?
- Nunca andei armado para mostrar. Sempre aquartelado.
- Quantos matou?
- Um sorriso surgiu no seu rosto, e ele balançou a cabeça em sinal de reprovação, mas o neto do coronel, Zezinho Cypriano, entrou também no assunto:
- E a história daquele povo que cercou meu avô e vocês na serra? Como é que foi essa história direito?
- Era o sargento Duque,Veni Cordeiro, João Brandini e Nena Salino. Nós fomos avisados que eles estavam tocaiando na serra. Estavam até com metralhadora. Voltamos e passamos por outro lugar.
- E depois?
- Eles foram morrendo um a um... só Veni é que se mandou. Voltou depois da morte do Bimbim. Abílio e Toti, meus companheiros, mataram. Era o último que faltava da tocaia.
- Abílio e Toti eram jagunços como o senhor?
- O Bimbim não tinha jagunços, tinha amigos...
- Além desses dois e do senhor, quantos amigos o Bimbim tinha mais?
- Tinha o olímpio, Carrerinho, Faisca, Manoel Afonso e o Barbi (deve ser Balbi)... O Barbi foi dos melhores atiradores.
- Como vocês agiam nas eleições?
- Era como se ele queria. No alto Capim, por exemplo, era do jeito que ele falasse e dava certo. Quem não votava nele tinha que ir embora cedo. A urna só tinha que Ter votos dele.
(Zezinho Cypriano quer saber dele como é que foi o episódio em que a polícia subiu a serra - Alto Capim fica no alto de uma serra - para prender Bimbim por causa do assassinato do prefeito Zequinha Henrique. E se era verdade que havia realmente 200 homens a serviço do coronel para enfrentar a polícia)-
- Nós éramos apenas uns 15 homens. Mas ia segurar eles num pontilhão e rolando pedra em cima. Mas a polícia, apesar de ser muita, não teve coragem de subir. Negociou três vezes. Só subiu quando teve informação que o Bimbim e a gente tinha se retirado.
- É verdade que você costuma dizer que só tem dó de uma morte? A que você foi matar um sujeito e encontrou ele com oito meninos ainda pequenos. Matou mas queixou-se depois ao Bimbim, que estava com dó das crianças por ficarem sem o pai. E que o Bimbim, a partir de sua queixa, enquanto esteve vivo, sustentou os meninos com uma feira semanal?
(Nesta hora Aponino baixa os olhos e não fala nada. Concorda com o seu silêncio, ao olhar dentro dos olhos do neto do coronel).
Vem do Zezinho outra pergunta indiscreta:
- É verdade que a última mulher do Bimbim, Luíza o traiu?
Aponino apressa-se a responder até com veemência:
- Traiu. Mas com quem traiu morreu.
Em seguida, desanuviando o clima proporcionado pela traição da mulher de Bimbim, Aponino disse que quando ele pegava um pedacinho de pau e começava a lapidar com o seu canivete, alguém ia cair em algum canto, pois ele sabia tirar uma árvore grossa do caminho como ninguém.
- No enterro do coronel algum dos seus homens chorou?
- Senti muitos sentimentos; homens, como nós, não choram. Choro, para gente como nós, é coisa de mulher.


Ninguém visita o túmulo do coronel

Sexta-feira, 2 de novembro, Finados, cemitério de Alto Capim, 11 horas da manhã. O repórter encontra no cemitério apenas o coveiro e um filho menor, mais um homem, aparentando uns 60 anos, acendendo velas sobre a sepultura da mulher.

Indago sobre o local da sepultura do coronel Bimbim. O coveiro indica uma sepultura de mármore negro, bem no centro do cemitério. E diz que em volta dele estão enterrados três irmãos e uma filha, mais um neto. Na sepultura do coronel não há sequer uma flor ou um sinal de visita.

Pergunto ao coveiro se alguém apareceu para visitá-lo. Ele diz que não. Da família, como de hábito, apenas apareceu a filha do irmão Acendino. Só que dessa vez ela veio na véspera. Sinais claros dessa visita aparecem no estado da sepultura do irmão: limpa e com arranjo de lírios.

Já na sepultura de Bimbim a situação é de total abandono: a parte da frente está desabando e a imagem de Nossa Senhora Aparecida, que devia dar uma aparência exuberante a ela, acha-se completamente destruída. "Essa imagem era linda", comenta o coveiro, "mas a chuva acabou com ela".

Procuro saber do coveiro sobre quem havia então acendido três velas na sepultura dele. E ele me surpreende, dizendo que foi ele próprio. "Todo finado eu acendo essas velas para a alma do coronel". E revela que o seu pai foi casado com a Severina, filha de Bimbim, ali também enterrada. Mas que ele não é filho dela e sim de outra mulher. Uma que o pai roubou quando abandonou a filha de Bimbim. Roubou mas sumiu de lá e só voltou depois que Bimbim morreu. "Bobo é que o meu pai não era de enfrentar o Bimbim depois de Ter abandonado a sua filha".

Depois do almoço o movimento aumenta no cemitério. Mas muito pouco. No máximo umas 10 pessoas. Mas o pessoal que chega não procura a sepultura dele. Só apenas um velho conhecido: Alvino Quintero, de 84 anos. Assim mesmo só foi lá depois que visitou as sepulturas da sua família: "Primeiro vou nos meus parentes. Depois dou uma olhadinha nele. O Bimbim foi um homem muito bom para esse povo daqui".

Saio do cemitério e vou à vila buscar explicação para tanto abandono. Começo a ouvir coisas como "ele era bom demais para muitos e ruim um tanto para outros", como disse Baldivino Lessa, de 60 anos, nascido e criado no lugar. Já outro dizia que depois que o Bimbim faltou o lugar acabou. "Com ele era beleza pura".

Outro diz que depois que "o velho morreu acabou a vila" e até a sua propriedade arruinou. Disse que o seu novo dono derrubou a imponente casa da fazenda junto com as palmeiras, que enfeitavam a frente da propriedade. Dizia que havia derrubado tudo para se livrar do feitiço do coronel.

A movimentada Alto Capim, do coronel Bimbim, não existe mais. Hoje é um lugar decadente e parado, com apenas 64 casas na sede do distrito, um posto de saúde, um ginásio, como o nome do coronel, um posto telefônico que mal funciona e uma igreja católica. "Agora - disse um jovem relativamente revoltado é só branchiária (capim) nas costas do povo para levar para o gado. A coisa arruinou mesmo. Sem o Bimbim este lugar perdeu a sua vida".

Fonte: http://www.seculodiario.com/reportagens/index_%20bimbim01.htm